domingo, 23 de fevereiro de 2014

Valores da Sociedade

[Valores da Sociedade

As polêmicas atuais expressam diversos modos de lidar com a questão da violência das ruas. Muitas vezes o que mais vigora são mais práticas violentas e por fora da “justiça” do Estado, cometida por este mesmo ou pelo “cidadão” comum. Diante disso, fico com a fala de Zizek:

“Sim, de certa forma, é preciso desfetichizar a violência. Esse horror à violência hoje é parte dessa ideologia liberal da tolerância. Você começa a criticar a violência e no final você advoga a tortura.” (http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/722/entrevistados/)

Tanto o modelo repressor do Estado não dá conta da demanda quanto acaba por ser reforçada sua “necessidade” quando a população não se sente segura e não vê saída a não ser clamar pelas forças policiais. Quem acaba por sofrer efeitos desse medo generalizado que a mídia (em última instância sempre ligada a figuras do governo) ajuda a instaurar é justamente a população pobre, negra, jovem e, principalmente, moradora das ruas. 

Não parece haver nenhuma preocupação a ponto de se questionar como esses jovens vão parar nas ruas ou como são os modelos de assistência a casos de crianças abandonadas. Mais difícil ainda é ver essa mesma população que clama pelos modos repressores de tentar resolver os problemas da violência, se perguntando “o que temos todos a ver com isso? Que outras intervenções são possíveis?” (análise da implicação). Será possível: promover essa reflexão junto a população; analisar as práticas de assistência do Estado; desconstruir a ideia de pessoas que já nasceram para o mal e ter nos jovens que praticam delitos a evidencia? Conseguiremos esclarecer que além da desigualdade social podemos argumentar que toda população de rua, que todo pobre, não tem o “dom” de cometer delitos visto que pessoas de classes abastadas usufruem de milhões mesmo tendo bons salários seja fazendo parte de corrupções no próprio modelo de Estado que temos, seja fazendo parte do cotidiano de outras organizações?

Vemos que o que mais choca nesses casos do assalto de rua é a violência que nos infringe diretamente. Parece uma violência menor roubar milhões de um governo, pois os efeitos não são claros e nem imediatos, ante a nossos olhos. Não importa quantas denúncias sejam feitas dos grandes bancos que fizeram lavagem de dinheiro para o comércio ilegal de drogas. Essas entidades são tão grandes quanto abstratas e fica mais fácil acusar os “aviõezinhos de rua” que fazem a entrega da droga do que quem é a fonte ou a financia.

Assim, o verdadeiro debate da assistência prestada pelo Estado (seja jurídica ou social) e da reação a todo e qualquer tipo de violência (a do rico e a do pobre, tanto faz) fica vedado. A crítica ao Estado não é feita por completo quando se vê todos os problemas personificados numa classe. Classe esta que é a única a ocupar as prisões e isso também não é analisado e nem serve como evidencia ou efeito de nada: nem de quem não está sendo preso ou de quem está sendo preso demais por pouca coisa para fingir que justiça é feita. Esse senso comum, construído pelo Estado, pela mídia e pelo não desenvolvimento de espaços de reflexão coletivos, prefere apoiar a violência da reação imediata feita com as próprias mãos e entender qualquer debate que negue isso como a “defesa do bandido”. Ex: Sheherazade

Fala, repercussão, resposta da She-Ra: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2014/02/07/interna_brasil,411704/sheherazade-se-defende-apos-declaracoes-polemicas-sou-do-lado-do-bem.shtml 

Diante deste cenário, parece extremamente desinteressante se preocupar com medidas protetivas para crianças abandonadas, uma vez que estas são quase totalmente desconhecidas (as medidas e as crianças, sem nenhum glamour para a sociedade do espetáculo). Quando o debate se volta muito para a diminuição da maioridade penal conseguimos avaliar como muitos enxergam naquilo um benefício imediato e podemos continuar lidando com os erros de análise propostos acima. Antes de achar inválido o debate, me apoio totalmente na reflexão de Herbert de Souza para resgatar o humano em nós:

“Quando uma sociedade deixa matar as crianças é porque começou seu suicídio como sociedade. Quando não as ama é porque deixou de se reconhecer como humanidade. (...) Se não vejo na criança, uma criança,é porque alguém a violentou antes e o que vejo é o que sobrou de tudo o que foi tirado.” Betinho

Parece extremamente desinteressante, inclusive, falar de abuso sexual dessas crianças, uma vez que se trata de assunto que ninguém quer falar, é difícil colocar em palavras ou não se tem a menor perspectiva do que fazer com os envolvidos na situação, principalmente se forem da família da vitima. E o mais comum é que seja. Que funcionamento é esse que prefere evitar a dor e acaba por fazer com que nosso silencio permita a repetição dela? É fato que temos que nos aproximar do horror para combatê-lo. Falar sobre isso é uma forma também de ver que resistências são possíveis e não mais termos que fingir que a dor é inexistente. É reconhecer na falha dos modelos de acolhimento dessas vitimas e das leis para esses casos, a possibilidade de fazer sempre diferente na próxima ao invés de ser parte de uma história arruinada.

Como fazer o marketing de um trabalho como esse, considerado “pesado”?


Será que terei que partir do mesmo mote de projetos sociais famosos que tem financiamento garantido e prometer salvar as pessoas da vida do tráfico ou da pobreza? O que acaba por ser um reforço dos mesmos princípios de criminalização da pobreza como forma de “superá-la”. Até que ponto serve? Terá um próximo passo, o de fazer essa reflexão da descriminalização ou ficamos só no apelo marqueteiro útil?]

Parte do meu projeto de mestrado para estudar casos de abuso sexual em abrigo.

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