terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Material que aborda pontos polêmicos em abrigos

O material aborda pontos muito interessantes, mas muitas vezes acaba fazendo umas análises meio estranhas. Mas tem boas tiradas...

Os abrigos precisam de educadores preparados, de uma estrutura afetiva consistente e de uma metodologia para lidar com as especificidades da sua população, em especial a dos meninos e das meninas mais sofridos, como os que viveram na rua ou sofreram maus-tratos.

O abrigo, como ambiente coletivo, é uma possibilidade para o desenvolvimento da criança ou do adolescente, mas não é uma família.

(...)

Quando não se tem clareza do projeto, pode-se, sem ter consciência, desviar-se dele e sabotar objetivos importantes. Por exemplo, ao desenvolver uma relação muito forte com os jovens, o que é considerado necessário e positivo, pode-se, sem perceber, manter o jovem no abrigo, boicotando sua autonomia. Por outro lado, em um movimento inverso, o educador pode tender a expulsá-lo em momentos de crise. O educador precisa estar em constante reflexão, percebendo seus próprios sentimentos e emoções, e relembrando o propósito de suas ações.

(...)

O abrigo vive muitas contradições. É importante entendê-las para poder lidar com elas ou mesmo suportá-las. A contradição entre o espaço público e o privado é sempre tema de debates.

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Há muitas fiscalizações nos abrigos que às vezes são arbitrárias e contraditórias, com poder de colocar o abrigo em situação de submissão, deixando-o sem possibilidade de autonomia, solapando seu trabalho. (...)Paralelamente, é importante que os órgãos fiscalizadores mantenham o diálogo constante com os abrigos, instrumentalizando-os, capacitando-os, supervisionando-os, trabalhando e refletindo.

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Quais as diferenças e as semelhanças entre o abrigo e a família? O que é ser pai e mãe e o que é ser educador social? Deve o abrigo simular a estrutura da família e os papéis de pai e mãe? Ou o abrigo pode ter outra estrutura, também eficiente, com educadores sociais que desempenham papel afetivo materno e paterno sem se
colocarem no lugar de pai e mãe? Neste debate, surgem dois movimentos principais: encontrar as semelhanças entre estes dois papéis e encontrar as diferenças.

Focalizando-se o educador social, na busca das semelhanças com a família, encontramos o desejo de garantir o afeto, a privacidade, a intimidade, a constância. Na busca das diferenças, está o desejo de garantir o distanciamento adequado, a manutenção da intencionalidade e do foco educacional, a qualidade da relação
e do profissionalismo.

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Cada vez mais acredito que o caminho é uma rede de solidariedade e apoio entre os próprios jovens.(...)
Mas, duas semanas antes dessa data, dois meninos se atracaram por bobagem. Eu segurei um deles. Então ele veio, agarrou esse menino, levou para o quarto. Eu fiquei assustado, pois o outro era muito forte, estava treinando boxe. Mas ele jogou o que estava brigando na cama e disse: ‘Meu! Presta bem atenção no que você está fazendo. Nós, aqui, temos que cuidar de nós mesmos. Não temos
mais ninguém. Você não aprendeu nada? Não cresceu?’ Dali a pouco, eles estavam os dois sentados, abraçados, chorando. Eu ali do lado, só observando. Depois de uma hora, entrou o outro menino da briga e começou uma conversa.

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O que é autonomia para este grupo de profissionais?

• A autonomia é uma conquista, não algo dado. É desenvolver recursos para viver por si mesmo. Poder gerir sua própria vida, sendo capaz de fazer escolhas e tomar decisões. É poder desejar e assumir o próprio desejo.

• É conseguir se expor e aceitar todos os seus lados, podendo aceitá-los e integrá-los. É não ter vergonha de ser e poder ser diferente. 

• É aprender a se diferenciar do outro para então fazer parcerias. Ter autonomia
é poder participar da cultura, construir seu espaço, adquirir os códigos
da sociedade.

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“Para educar uma criança, é preciso toda uma aldeia.” 
Tradição africana.

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Para desenvolver sua autonomia, o jovem necessita de outros
parceiros, outros atores sociais, que fazem parte de sua rede de apoio. Esta é a característica
de incompletude do abrigo.

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Manter espaço aberto e contínuo para diálogo e participação – a criação de espaços de expressão, discussão, escuta, compreensão dos conflitos, assembleias, grupos de fala, rodas de conversa e participação na confecção das regras da casa são algumas atitudes importantes. Dessa forma, solicita-se ao jovem sua adesão e participação na gestão e organização da casa, nas tarefas diárias, nos afazeres cotidianos.

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Observação sempre atenta – é preciso desenvolver entre os educadores o hábito de observar, registrar e discutir em equipe tudo o que acontece no abrigo. É importante aprender a ouvir o que não é dito.

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Incentivar a vida fora do abrigo – os vínculos de afeto e pertencimento devem ser fortalecidos nas crianças e nos adolescentes, ampliando-se seu universo para fora do abrigo (...)  aprender a lidar com dinheiro, conseguir se locomover pela cidade, saber acessar os serviços públicos etc.

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Cuidado para não estigmatizar – evita-se colocar placa na frente do abrigo ou identificação no veículo que transporta os jovens, ações que ajudam a evitar a estigmatização deles. Evita-se também chamá-los de “internos” ou “abrigados”, já que são crianças ou adolescentes como outros quaisquer.

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Muitas vezes a transgressão está comunicando algo que os jovens não querem dizer ou não sabem como dizer.

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No cotidiano do abrigo, as crianças e os jovens precisam elaborar o abandono.

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Com o menino que já viveu na rua é, em geral, diferente. Sua capacidade de ir e vir é muito desenvolvida. O que ele precisa é manter os compromissos, já que é, muitas vezes, disperso, não se fixa, é “descolado”. Tudo para ele, às vezes, parece descartável. O trabalho nesse caso é ajudá-lo a se vincular, a se manter, a permanecer.

(...)

O abrigo não pode ser o lugar de conforto total, deve impulsionar o desejo de eles saírem
para ter seu próprio espaço.É importante trabalhar o sentido da separação para que não tenham medo de
se revincularem. É preciso também tirar o medo de ir para o mundo, porque ele pode contar com as amizades (vínculos) feitas no abrigo, com as outras crianças, adolescentes e adultos.

O grande apoio na saída é a rede na comunidade e no próprio abrigo. Ninguém sobrevive sozinho e toda a rede de apoio construída dentro do abrigo e da comunidade deve estar e se manter presente também na saída.

(...)

Caminhos próprios
“Já tivemos duas adolescentes com o poder familiar destituído porque ambas as mães tinham problemas psiquiátricos. Tentamos uma reaproximação com a família, mas elas não queriam. Tinham medo de enlouquecer como as mães. Ficaram com a gente, e foram adolescentes bem difíceis. Mas estudaram, conseguiram trabalho. Uma se casou, tem filhos. Conquistaram suas casas, construíram suas histórias. Depois de um tempo, foram procurar suas mães. E ambas hoje vivem com elas, ajudando-as no tratamento, a manter a casa. São histórias que fazem a gente pensar nas mudanças de padrão de relacionamento. Aprendemos a esperar que as coisas aconteçam no seu próprio ritmo que, às vezes, é diferente do que imaginamos.”

Silmara Marazzi, Abrigo Butantã

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Ferramentas essenciais para a saída do abrigo (...)

Criar uma rotina que favoreça o exercício cotidiano de autonomia e responsabilidade dentro do abrigo. Os jovens devem assumir a administração da casa, revezar-se nas tarefas, e as jovens mães, assumir o cuidado de seus filhos.

• Fazer um trabalho de “educação financeira”. Com que gastar o dinheiro? Onde comprar? Como economizar? Os jovens são estimulados a começar a fazer uma poupança. (...)

Proporcionar o contato entre os jovens residentes e os que já saíram do abrigo.Organizar encontros, rodas de conversa, para ajudar a desfazer medos e fantasmas, saber das dificuldades reais e, ao mesmo tempo, das possibilidades.

(...)

Visita bem-vinda [Su: PERSPECTIVA]
Um dos meninos que morou no abrigo, hoje já um adulto, concursado, trabalha no Hospital das Clínicas, foi lá outro dia fazer uma visita. Claro que ele tem uma vida ainda difícil, de batalha, mas conquistou uma vida estruturada. Está seguindo o caminho dele. Ele contou do trabalho, dos outros meninos com os quais ainda mantém contato... Eu pensei o quanto essa visita foi importante para os meninos da casa... É um mote para eles pensarem no seu próprio plano de vida. Sentirem que têm uma história, um caminhar que é de cada um, do qual fazem parte a família, os amigos, a escola, o emprego, o trabalho.
Um caminhar que quem saiu já está conseguindo fazer. 

Depoimento de um coordenador de abrigo.

(...)

*negrito meu




Fonte: 3 Imaginar para Encontrar a Realidade - reflexões e propostas para o trabalho com jovens em abrigos
http://www.fazendohistoria.org.br/downloads/3_imaginar_para_encontrar_a_realidade.pdf

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