Se as pessoas não conseguem nem parar d fazer brincadeiras machistas, quem dirá chegar nesse nível de sensibilidade aqui: Manual para uso não sexista da linguagem!
Eu gosto de ser tratada no feminino. Mas sempre q eu puder fazer o exercício com quem rolar uma dúvida de como quer que seja o trato, acho válida a tentativa!
Eu li muito por alto, mas gostei! Achava aquele "x" mt chato! Mas as intenções são as melhores!
_____________________________
Texto na íntegra:
Deixando o X para trás na linguagem neutra de gênero
Publicado por Juno
Nota
Este texto inicialmente era um tutorial sobre como falar de forma neutra em voz alta, porque muitas pessoas não-binárias muitas vezes precisam de ajuda sobre como ensinar as outras pessoas a lhes tratarem corretamente, mas as recomendações para escrever sem o X são as mesmas que para falar sem o X, e há mais motivos para abandonar o X do que a nossa necessidade de de que nos tratem corretamente. O texto portanto tem um teor mais pessoal, que trata de como nos referimos a pessoas num âmbito cotidiano, mas no final do texto recomendamos um material muito bom que dá soluções extensivas para várias áreas formais e informais do discurso, com muitos exemplos práticos.
Usarei a expressão “marcação de gênero” ou ainda somente “marcação” para me referir de forma geral a todas as construções da linguagem que marcam um gênero específico para se referir a uma pessoa. Exemplos são as letras A e E em “ela”, “ele”, “dele”, “dela”, “seu”, “sua”, “minha”, “meu” e as letras A e O em “querido”, “amigo”, palavras construídas especificamente ao gênero, como “irmã”, “mãe”, e qualquer outra forma de se referir a alguém que marque o gênero da pessoa.
Usarei a expressão “marcação de gênero normativa” para falar das pessoas que utilizam marcações de gênero em acordo com aquelas designadas a elas no nascimento (pessoas designadas meninas devem ser tratadas no feminino, pessoas designadas meninos devem ser tratadas no masculino, nenhuma pessoa deve ser tratada de forma neutra) e “marcação de gênero não-normativa” para falar das pessoas que utilizam qualquer outra forma, incluindo portanto mulheres trans*, homens trans*, e pessoas não-binárias que utilizam marcações de gênero não-normativas.
Quando aqui falo do “X”, estou falando de construções como “todxs”, “meninxs”, “queridx”, “bonitx”. Embora eu vá me focar no X, porque é o mais utilizado, o mesmo vale para outras utilizações como @, *, entre outras.
Por fim, perceba que este texto está inteiro redigido de forma neutra sem o uso de X.
Nossas peculiaridades enquanto pessoas não-binárias
Pessoas trans* frequentemente possuem preferências por marcações de gênero na linguagem que estão desalinhadas com aquela designada a elas no nascimento. Isto é, majoritariamente, mulheres trans* preferirão serem tratadas no feminino, homens trans* no masculino e muitas pessoas não-binárias de forma neutra, ou no masculino ou feminino de forma alinhada ou não à designada a elas no nascimento.
Isto sempre é problemático enquanto (1) a pessoa não possui passabilidade cis (2) a pessoa não possui reconhecimento das burocracias, principalmente nos seus documentos, do seu gênero (3) a pessoa convive com pessoas que não aceitam seu gênero. Todas as pessoas trans* que utilizam marcações de gênero não-normativas lidarão com problemas em serem tratadas corretamente, mas neste texto iremos nos voltar para as pessoas trans* não-binárias, já que falaremos sobre não-binariedade, formas neutras de tratamento, etc.
Nos três problemas enumerados acima, podemos notar que as pessoas trans* não-binárias possuem pecualiaridades ao lidar com todos eles.
Em (1), não existe uma passabilidade para nós. Nunca passaremos como pessoas não-binárias porque ninguém jamais presumirá, ao olhar para como nos vestimos, falamos, nossos corpos, vozes, que somos “nenhum dos dois”. Sempre será presumido que uma pessoa é homem ou mulher. Desta forma, é virtualmente impossível que alguém “acerte” nossas marcações, exceto nas raras vezes que o fizerem não porque percebem sermos pessoas não-binárias, mas porque não conseguem decidir se nos encaixam como homens ou como mulheres. Dessa forma, estaremos sempre à margem das soluções que indicam às pessoas que simplesmente “chutem” de acordo com como a pessoa se apresenta.
Em (2), não existe nenhum país no mundo onde pessoas não-binárias possam efetivamente, de forma regulamentada, serem reconhecidas em seus documentos. É muito mais complicado que uma pessoa não-binária consiga ser reconhecida nas burocracias do Estado, das instituições, de universidades, empregos, etc como completamente fora das opções do que como uma delas, ainda que essa posição seja contestada. Frequentemente o nosso caso é não o de quem é expulso de uma categoria, mas o de quem não possui uma categoria.
Em (3), nossos gêneros costumam ser muito mais difíceis de explicar às pessoas, de forma que “não ser”, “ser nenhum dos dois”, ou ser qualquer um deles de forma não-normativa (bigênera, multigênera, pangênera, etc) será algo sempre encarado como uma invenção nossa, uma tolice, etc, porque nossas experiências são apagadas, e estamos sempre na margem. É certamente mais complicado explicar a alguém que você não é nem homem, nem mulher do que explicar que você é homem ou mulher, apesar de não assim terem te designado no nascimento.
Por todos esses motivos, é importante perceber que construções neutras de gênero são importantes para tornar o mundo mais vivível às pessoas trans* não-binárias, e que ocupamos um local importante nesta discussão sobre neutralidade e sobre o uso da linguagem demarcada. Em nossos cotidianos, as marcações de gênero e as tentativas de torná-las neutras ou melhores frequentemente nos esquecem, como nos famosos “todas e todos”, “homens e mulheres”, “senhoras e senhores”, “masculino e feminino”, “todos/as”, “srs(as)” etc.
Quem se importa com as pessoas não-binárias?
A minha experiência pessoal com a necessidade de pronomes neutros para mim, como a de muitas outras pessoas trans* não-binárias, é uma experiência de frustração e descaso. Todas as pessoas trans* enfrentam indiferença e desconsideração de pessoas que simplesmente não se importam em utilizar corretamente a marcação de gênero que preferem, e que, maliciosamente ou não, nos tratam de formas que nos incomodam. Para as pessoas não-binárias, isso pode ser ainda mais complicado porque as formas neutras de se falar não estão acessíveis facilmente, e requerem um período para que nos acostumemos a falar de forma neutra. Normalmente as pessoas não estão dispostas, não tem a boa fé e a empatia de querer aprender, e simplesmente ignoram essa necessidade, ou a encaram levianamente. Porque pessoas trans* estão extremamente desempoderadas nesse sentido, não é sempre que conseguimos erguer a voz e exigir o tratamento correto.
Para pessoas trans* não-binárias isso pode ser especialmente complicado enquanto significar que não temos um tratamento específico a requerer. Não podemos pedir nossa versão do “masculino” ou do “feminino”. Muitas vezes as pessoas trans* não-binárias que preferem serem tratadas de forma neutra desistem de pedir e ensinar isso às pessoas e conformam-se em serem tratadas de outra forma, apesar do incômodo, pura e simplesmente porque as pessoas não se importam em ter empatia.
Se você recebeu esse texto de uma pessoa não-binária que queria que você aprendesse como referir-se a ela: por favor, tenha empatia e não trate isto tudo com leviandade. Isto é importante e são pouquíssimas as pessoas que realmente se importam e com quem conseguimos nos sentir bem recebendo o tratamento que pedimos, no que tange marcações de gênero. Tente ao máximo que conseguir, não se acanhe em parar no meio da frase e pensar ou pedir ajuda, aprenda junto com a pessoa e aos poucos você pegará o costume e falará naturalmente com ela. Não é um bicho de sete cabeças e conjuntamente é possível que consigam aprender cada vez melhor.
Por que abandonar o X?
- O X não é acessível para leitores de tela. Pessoas com deficiência visual não conseguirão fazer programas de leitura de tela pronunciarem corretamente o texto.
- O X não torna as coisas mais fáceis de entender. Quanto mais simples e direta for a nossa linguagem, melhor poderemos nos fazer entender Quando a intenção é fazer textos fáceis e didáticos, o X pode ser um constante entrave para quem está lendo.
- O X não é pronunciável. Nós não podemos, em voz alta, usar o X. Isso é problemático especialmente para pessoas trans* não-binárias, para quem essa vocalidade é necessária no dia-a-dia.
- O X não transformará a linguagem. Se o X é restrito à língua escrita, então ele não irá alterar a forma como falamos! Isso significa que ele não influenciará como, no dia-a-dia, nos referimos às pessoas, e que no fim das contas nós continuaremos a nos tratar de forma generificada.
Como falar de forma neutra sem o uso do X?
Essa seção será atualizada com o tempo, conforme novas formas forem sendo observadas, novas construções que não haviam sido analisadas tiverem substitutas propostas, e novas formas de remover a marcação de gênero apareçam.
Tenha calma e aprenda no processo
Não pense que você vai ler o que está descrito abaixo e pegar o jeito de uma hora para a outra. Conforme você se pegar no meio das frases, conversar com a pessoa, se você e ela se ajudarem, a linguagem neutra vai se tornando hábito. Pense nos exemplos abaixo como formas de começar e de elaborar, e construa a linguagem neutra de forma natural.
Junto com a outra pessoa, vá falando de forma neutra, se deixe corrigir sem estresse quando necessário, e aos poucos aprenderá a falar de forma neutra. É uma questão de prática.
Utilize generosamente termos neutros como “pessoa” para retirar o gênero marcado diretamente
Ela partiu > A pessoa partiu / essa pessoa partiu
A casa dela > A casa da pessoa
Todas as presentes > Todas as pessoas presentes
Quantas temos aqui? > Quantas pessoas temos aqui?
As presentes cujas bolsas ficaram no jardim > As pessoas presentes cujas bolsas ficaram no jardim
Boa tarde a todas > Boa tarde a todas as pessoas / boa tarde a vocês
Elas avançaram na competição > As pessoas (ou “estas pessoas”) avançaram na competição
Ele nunca vai embora > Essa pessoa nunca vai embora
Sua namorada > A pessoa com quem você namora / A pessoa que namora com você
Minha > A pessoa minha irmã
Minha irmã > A pessoa minha irmã
Tua irmã > A pessoa sua irmã / A pessoa que é sua irmã
Nossa irmã > A pessoa nossa irmã
Aquelas que ganharam estão liberadas para ir > Quem ganhou pode ir / Aquelas pessoas que ganharam estão liberadas para ir
Não há nada de errado em repetir o nome da pessoa
Ariel estava aqui ontem e desde então ela foi embora > Ariel estava aqui ontem e deste então Ariel foi embora / Ariel estava aqui ontem e desde então essa pessoa foi embora
Se eu quisesse ficar com Ariel, teria dito a ela > Se eu quisesse ficar com Ariel, teria dito a Ariel
A casa dela > A casa de Ariel
O Rio a inspira profissionalmente > O Rio inspira Ariel profissionalmente
Suprima artigos e pronomes desnecessários
A Ariel > Ariel
com a Ariel > com Ariel
Ela partiu > Ariel partiu
Eu fiquei com a Ariel > Eu fiquei com Ariel
Como pintora ela conquistou muito dinheiro > Pintando, conquistou muito dinheiro
Logo ela explicará seus motivos > Logo explicará seus motivos
Prefira alternativas neutras como “de” (ao invés de da/do) e “lhe” (ao invés de a/o)
da Ariel > de Ariel
Essa carteira é da Ariel > Essa carteira é de Ariel
Se eu quisesse ficar com Ariel, teria dito a ela > Se eu quisesse ficar com Ariel, teria lhe dito
A casa da Ariel > A casa de Ariel
Utilizar a voz passiva e o gerúndio, entre outras mudanças, são formas interessantes de desgenerificar:
“S. Semântico: Todos os trabalhadores poderão ir ao jantar com as suas esposas
Alternativa: O pessoal poderá ir ao jantar acompanhado.
S. Semântico: Os estudantes não poderão receber visitas femininas nos
dormitórios.
Alternativa: Não se permitem visitas nos dormitórios[...]Por exemplo, podemos dizer: O nível de vida em São Paulo é bom
Em lugar de: Os paulistanos têm um bom nível de vida
Podemos dizer: O pessoal docente da Universidade protestou por…
Em lugar de: Os professores da Universidade protestaram por…”
Mude a estrutura dos verbos na frase:
Você é muito requisitada? > Te requisitam muito?
Você está toda molhada > Você se molhou totalmente
Você está cansada? > Você se cansou?
Você é baiana? > Você é da Bahia?
Você está linda > Você está uma pessoa linda / Que lindeza você está / Sua roupa está linda / Seu corpo é lindo
Você está registrada > Eu te registrei / seu registro está feito
Use alguns truques informais
Embora isto não se encaixe em momentos mais formais, em textos, existem algumas práticas coloquiais que, num contexto corriqueiro e cotidiano fazem sentido, como:
- usar um “e” ao invés de A e O, como em “todes” ou “linde” (não serve para palavras masculinas que terminam em E)
- não pronunciar as vogais que marcam gênero, deixando um som mudou, de S.
Entre em contato!
Como avisado acima, este texto será sempre atualizado conforme novas possibilidades surgirem. Pedimos a você que nos envie frases que não sabe como neutralizar, suas dicas e recomendações, bem como críticas. Gostaríamos de estar sempre adicionando aqui as outras possibilidades de neutralização que estivermos esquecendo para que seja um guia cada vez mais completo para a construção de uma linguagem neutra.
Para nos contatar, clique aqui ou no linque para a página de contato no menu do topo.
Manual para uso não sexista da linguagem
Para uma referência mais extensiva sobre linguagem neutra em português, recomendo o material “Manual para o uso não sexista da linguagem”, de Paki Venegas Franco e Julia Pérez Cervera pela UNIFEM. Clique para baixá-lo *.
*[Su: o link funciona]
Fonte: Batatinhas - perspectivas trans* fora da binária
http://naobinario.wordpress.com/2013/08/01/deixando-o-x-para-tras-na-linguagem-neutra-de-genero/
Nenhum comentário:
Postar um comentário