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Um monge descabelado me disse no caminho: 'Eu queria construir uma
ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha
idéia era fazer alguma coisa ao modo de tapera. Alguma coisa que
servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque
o abandono pode
não ser apenas de um homem debaixo da ponte, mas pode ser de um gato
num beco ou de uma criança presa em um cubículo. (...)"
(BARROS, Poesia Falada, v.8)
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De onde vem a força dessa passagem de Barros? O que nos comove e também nos amedronta nessas letras? De certo que tememos ser esse que foi abandonado. Mas no contexto em que se visa trabalhar essa passagem, diante dos valores transmitidos pelo Estado e pela mídia, há medos que vão além. Barros não faz como muitos que, ao encontrar o horror, dele se aparta ou estereotipa. Ele se aproxima e olha de novo.
Esse autor tem como característica ver potência nas ruínas porque elas não são um sinal só de algo que acabou. Elas são uma simplicidade muitas vezes interessante e até necessária, fruto de uma história repleta de humanidades possíveis. Abrigar o abandono pode ser uma proposta de trabalho? No contexto em que estamos, se está claro que o abrigo não substitui, mas, antes de tudo, funciona até como alternativa a famílias que existiram, mas não puderam cuidar de seus filhos, como transformar a tarefa de abrigar o abandono em algo potente? Podemos pensar sua função também a partir desta passagem:
“Todo filho é biológico e adotado. A condição para todos existirem é nascer, e após isso, é ser adotado, pois só se tem um filho se você o considera.”
O abrigo, então, não abrigaria O Abandono, mas um tipo possível deste. Estar inserido em uma família não é garantia de acolhimento como os valores morais de nossa sociedade tendem a preconizar de modo conservador.
Como ver nele um mediador necessário e até interessante? Como trabalhar o olhar que é lançado pela sociedade e não ver nessas crianças e jovens só alguém arruinado, mas alguém potente?
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Retomaria no trecho em q coloco o cenário da criança abandonada e abusada como desinteressante:
Pq tanto do q nos comove não nos move? Porque nos movemos pela beleza e doamos dinheiro pro Criança Esperança sem querer saber pra onde vai esse dinheiro e que medidas são essas q estão sendo tomadas (numa espécie de alienação ou de ajuda sem compromisso)? Que funcionamento é esse que prefere evitar a dor e acaba por fazer com que nos furtemos a debates tão importantes como o abuso sexual de crianças? Por que é tão mais fácil não falar disso? Por que não está claro que o silencio é permissivo e leva a repetição? Se temos horror a que isso aconteça, por que isso leva ao nosso afastamento e não ao combate? É fato que temos que nos aproximar do horror para combatê-lo e isso não precisa ser de forma que esteja além das nossas capacidades. Leve sua arte, leve sua habilidade na cozinha, leve seu malabarismo circense, ofereça tempo e trabalho que todas essas formas serão maneiras de tocar no problema a partir do momento que se é capaz de produzir felicidade também.]
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LINK: http://www.fazendohistoria.org.br/downloads/3_imaginar_para_encontrar_a_realidade.pdf
Outro
limiar que é ocupado por ele é o de uma medida pública que parece
atuar em âmbito privado como apontado na cartilha “3 Imaginar para
Encontrar a Realidade”. Apesar de ser uma cartilha as vezes
taxativa, apresenta reflexões interessantes como essa: “A
contradição entre o espaço público e o privado é sempre tema de
debates. As conquistas internas em relação ao progresso das
crianças, adolescentes e dos jovens implicam negociações nem
sempre inteligíveis para os que estão do lado de fora.”
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