segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Nem sempre o parto natural e nem sempre a cesariana!

A presente lista de indicações de cesariana circula na Internet desde 2005, quando eu publiquei a primeira versão em uma comunidade do Orkut ("Cesárea? Não, obrigada!"), e desde então tem sido amplamente divulgada, crescendo lamentavelmente a cada dia, porque estou sempre me deparando com gestantes querendo esclarecimentos ou mulheres que contam suas próprias histórias ou histórias de amigas. 


Recentemente, Ana Cristina Duarte, obstetriz e amiga, fez alguns acréscimos e organizou a lista em ordem alfabética, motivo pelo qual lhe dou os créditos da presente versão. É de domínio público, usem à vontade, mas preferentemente remetendo à fonte, ou seja, Amorim & Duarte (2012), com link para esta página da Web.

Não temos a pretensão de cobrir todas as possíveis indicações de cesariana, apenas começamos a elencar sobretudo as "não indicações" mais frequentes.

Para uma leitura mais aprofundada e baseada em evidências, eu recomendo a série de artigos que publicamos na revista Femina, "Indicações de Cesariana Baseadas em Evidências", em três partes:


Parte 1 Indicações de Cesariana Baseadas em Evidências - Parte 1 

Parte 2 Indicações de Cesariana Baseadas em Evidências - Parte 2

Parte 3 Condições frequentemente associadas à Cesariana sem respaldo científico

Segue a lista (em constante atualização):



INDICAÇÕES REAIS E FICTÍCIAS PARA A CESÁREA

Algumas indicações de cesariana

REAIS

1) Prolapso de cordão – com dilatação não completa;

2) Descolamento prematuro da placenta com feto vivo – fora do período expulsivo;

3) Placenta prévia parcial ou total (total ou centro-parcial);

4) Apresentação córmica (situação transversa) - durante o trabalho de parto (antes pode ser tentada a versão);

5) Ruptura de vasa praevia;

6) Herpes genital com lesão ativa no momento em que se inicia o trabalho de parto.


PODEM ACONTECER, PORÉM FREQUENTEMENTE SÃO DIAGNOSTICADAS DE FORMA EQUIVOCADA

1) Desproporção cefalopélvica (o diagnóstico só é possível intraparto, através de partograma e não pode ser antecipado durante a gravidez);

2) Sofrimento fetal agudo (o termo mais correto atualmente é "freqüência cardíaca fetal não-tranqüilizadora", exatamente para evitar diagnósticos equivocados baseados tão-somente em padrões anômalos de freqüência cardíaca fetal);

3) Parada de progressão que não resolve com as medidas habituais (correção da hipoatividade uterina, amniotomia), ultrapassando a linha de ação do partograma.

SITUAÇÕES ESPECIAIS EM QUE A CONDUTA DEVE SER INDIVIDUALIZADA, CONSIDERANDO-SE AS PECULIARIDADES DE CADA CASO E AS EXPECTATIVAS DA GESTANTE, APÓS INFORMAÇÃO

1) Apresentação pélvica (recomenda-se a versão cefálica externa com 37 semanas mas se não for bem sucedida, discutir riscos e benefícios com as gestantes: o parto pélvico só deve ser tentado com equipe experiente e se for essa a decisão da gestante);

2) Duas ou mais cesáreas anteriores (o risco potencial de uma ruptura uterina – variando de 0,5% - 1% - deve ser pesado contra os riscos de se repetir a cesariana, que variam desde lesão vesical até hemorragia, infecção e maior chance de histerectomia);

3) hiv/aids (cesariana eletiva indicada se HIV + com contagem de CD4 baixa ou desconhecida e/ou carga viral acima de 1.000 cópias ou desconhecida); em franco trabalho de parto e na presença de ruptura de membranas, individualizar casos.


Algumas desculpas utilizadas pelos profissionais para realizar uma DESNEcesárea (em ordem alfabética)

1.      Abdominoplastia prévia
2.      Aceleração dos batimentos fetais
3.      Adolescência
4.      Ameaça de chuva/temporal na cidade
5.      Anemia falciforme
6.      Anemia ferropriva
7.      Anencefalia
8.      Artéria umbilical única
9.      Asma
10.     Assalto ou outras formas de violência (gestante ou familiar foi vítima de assalto, então o bebê pode ficar estressado)
11.     Bacia "muito estreita" 
12.     Baixa estatura materna 
13.     Baixo ganho ponderal materno/mãe de baixo peso 
14.     Bebê alto, não encaixado antes do início do trabalho de parto
15.     Bebê profundamente encaixado 
16.     Bebê que não encaixa antes do trabalho de parto 
17.     Bebê "grande demais" (macrossomia fetal só é diagnosticada se o peso é maior ou igual que 4kg e não indica cesariana, salvo nos casos de diabetes materno com estimativa de peso fetal maior que   4,5kg. Não se justifica ultrassonografia a termo em gestantes de baixo risco para avaliação do peso fetal). 
18.     Bebê "pequeno demais" 
19.     Bebê engolindo o líquido amniótico
20.     Bebê flagrado apertando o líquido amniótico durante a ultrassonografia, o que aparentemente levou a bradicardia
21.     Bolsa rota (o limite de horas é variável, para vários obstetras basta NÃO estar em trabalho de parto quando a bolsa rompe) 
22.     Calcificação da sínfise púbica (alegando-se que ocorreria em TODAS as mulheres com mais de 35 anos, impedindo o parto normal)
23.     Candidíase
24.     Cardiopatia (o melhor parto para a maioria das cardiopatas é o vaginal) 
25.     Cegueira materna
26.     Cesárea anterior 
27.     Chlamydia, ureaplasma e mycoplasma 
28.     Circular de cordão, uma, duas ou três “voltas” (campeoníssima – essa conta com a cumplicidade dos ultrassonografistas e o diagnóstico do número de voltas é absolutamente nebuloso) 
29.     Cirurgia gastrointestinal prévia 
30.     Colestase gravídica 
31.     Coleta de sangue do cordão umbilical para congelamento e preservação de células-tronco
32.     Colo grosso, colo posterior, colo duro, colo alto e (paradoxalmente) colo curto
33.     Colostomia (sim, porque é melhor fazer uma incisão abdominal perto do estoma com fezes do que um parto normal bem distante da área...)
34.     Conização prévia do colo uterino 
35.     Condilomas (verrugas genitais) que não provocam obstrução do canal de parto.
36.     Constipação (prisão de ventre) 
37.     Cálculo renal 
38.     Data provável do parto (DPP) próximo a feriados prolongados e datas festivas (incluindo aniversário do obstetra) 
39.     Datas significativas como 11/11/11 ou 12/12/12 (ainda bem que a partir de 2013 precisaremos esperar o próximo século) 
40.     Diabetes mellitus clínico ou gestacional 
41.     Diagnóstico de desproporção cefalopélvica sem sequer a gestante ter entrado em trabalho de parto e antes da dilatação de 8 a 10 cm
42.     Dorso à direita, dorso posterior, ou dorso em qualquer outro lugar
43.     Edema de membros inferiores/edema generalizado 
44.     Eletrocauterização prévia do colo uterino 
45.     Endometriose em qualquer grau e localização 
46.     Enxaqueca materna
47.     Epilepsia e uso de qualquer droga antiepiléptica
48.     Escoliose 
49.     Espondilite anquilosante – Qualquer espondiloartropatia
50.     Estreptococo do Grupo B (EGB) no rastreamento com cultura anovaginal entre 35-37 semanas
51.     Exérese prévia de pólipos intestinais por colonoscopia 
52.     Falta de dilatação antes do trabalho de parto
53.     Feto com “unhas compridas” 
54.     Feto morto 
55.     Fibromialgia 
56.     Fratura de cóccix em algum momento da vida 
57.     Gastroplastia prévia (parece que, em relação ao peso materno, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come) 
58.     Gestação gemelar com os dois conceptos, ou o primeiro, em apresentação cefálica 
59.     Gestante saudável demais, correndo o risco de ter um parto fácil e muito rápido, podendo parir antes de chegar ao hospital, com risco de morte do bebê
60.     Gravidez não desejada 
61.     Grumos no líquido amniótico 
62.     Hemorroidas 
63.     Hepatite B e hepatite C 
64.     Hérnia de disco, operada ou não, em qualquer segmento da coluna vertebral
65.     Hérnia inguinal, hérnia incisional e hérnia umbilical
66.     Hiperprolactinemia 
67.     Hipertireoidismo 
68.     Hipotireoidismo 
69.     História de cesárea na família 
70.     História de câncer de mama ou câncer de mama na gravidez 
71.     História de depressão pós-parto 
72.     História de natimorto ou óbito neonatal em gravidez anterior 
73.     História de trombose venosa profunda 
74.     História familiar de fibrose cística do pâncreas
75.     HPV com ou sem NIC
76.     Idade materna “avançada” (limites bastante variáveis, pelo que tenho observado, mas em geral refere-se às mulheres com mais de 35 anos) 
77.     Incisura nas artérias uterinas (pesquisada inutilmente, uma vez que não se deve realizar oplervelocimetria em uma gravidez normal) 
78.     Incontinência urinária de esforço ou estar fazendo muito xixi no final da gravidez
79.     Infecção urinária 
80.     Inseminação artificial, FIV, qualquer procedimento de fertilização assistida (pela ideia de que bebês “superdesejados” teriam melhor prognóstico com a cesárea) – motivo pelo qual esses bebês aqui no Brasil muito raramente nascem de parto normal 
81.     Insuficiência istmocervical (paradoxalmente, mulheres que têm partos muito fáceis são submetidas a cesarianas eletivas com 37 semanas SEM retirada dos pontos da circlagem) 
82.     Laparotomia prévia 
83.     Lesão medular (habitualmente acarretando paralisia: tetraplegia, paraplegia, hemiplegia, diplegia, dependendo do nível da lesão): essas mulheres em geral são cadeirantes e podem ter partos sem dor, mas o diagnóstico não é indicação de cesárea!
84.     Líquido amniótico em excesso
85.     Magreza da mãe
86.     Malformação cardíaca fetal 
87.     Mecônio no líquido amniótico (só indica cesariana se houver associação com padrões anômalos de frequência cardíaca fetal, sugerindo sofrimento fetal)
88.     Mioma uterino (exceto se funcionar como tumor prévio) 
89.     Miscigenação racial (pelo “elevado risco” de desproporção céfalo-pélvica) 
90.     Neoplasia intraepitelial cervical (NIC) 
91.     Obesidade materna
92.     Paciente “não tem perfil para parto normal”
93.     Paciente “não ajuda para o parto normal” (momento vidente ON: “no fundo ela quer cesárea”)
94.     Parto “prolongado” ou período expulsivo “prolongado” (também os limites são muito imprecisos, dependendo da pressa do obstetra). O diagnóstico deve se apoiar no partograma. O próprio ACOG só reconhece período expulsivo prolongado mais de duas horas em primíparas e uma hora em multíparas sem analgesia ou mais de três horas em primíparas e duas horas em multíparas com analgesia. Na curva de Zhang o percentil 95 é de 3,6 horas para primíparas e 2,8 horas para multíparas) 
95.     “Passou do tempo” (diagnóstico bastante impreciso que envolve aparentemente qualquer idade gestacional a partir de 39 semanas) 
96.     Perineoplastia anterior
97.     Pé nas costelas
98.     Pé torto congênito
99.     Placenta grau III ou II ou I ou qualquer outra classificação placentária
100.      Placentas baixas não oclusivas do colo do útero
101.      Plaquetopenia
102.      Pólipos uterinos
103.      Possível falta de vaga em maternidade para um parto normal, caso a gestante não marque a cesárea
104.      101. Pouco líquido no exame ultrassonográfico (sem indicação no final da gravidez em gestantes normais)
105.      Praticar musculação ou ser atleta 
106.      Pressão alta 
107.      Pressão baixa 
108.      Problemas oftalmológicos, incluindo miopia, grande miopia, ceratocone  e descolamento da retina 
109.      Profissão professora
110.      Prolapso de valva mitral 
111.      Prótese de quadril
112.      Qualquer malformação fetal incompatível com a vida 
113.      Qualquer procedimento cirúrgico durante a gravidez 
114.      Queloide ou tendência a queloide podendo complicar uma episiotomia (e a cesárea não? E para que fazer episiotomia?)
115.      Reação vasovagal
116.      Sedentarismo 
117.      Septo uterino/cirurgia prévia para ressecção de septo por via   histeroscópica
118.      Ser bailarina 
119.      Sono fetal (bebê que dorme durante o trabalho de parto)
120.      Suspeita ecográfica de mecônio no líquido amniótico 
121.      Síndrome de Down e qualquer outra cromossomopatia 
122.      Síndrome de Ovários Policísticos (SOP)
123.      Tabagismo 
124.      Trabalho de parto prematuro 
125.      Tricomoníase
126.      Trombofilias 
127.      Trombose venosa profunda
128.      Varizes uterinas 
129.      Uso de antidepressivos ou antipsicóticos 
130.      Uso de aspirina
131.      Útero bicorno
132.      Útero retrovertido
133.      Vaginose bacteriana
134.      Varizes na vulva e/ou vagina
135.      Violência urbana, impedindo obstetra (famoso) de sair de casa à noite ou alegada como pretexto para que as gestantes também não sigam o perigoso percurso até a maternidade

                                                             
Nota: infelizmente isto não é piada. Agradeço a contribuição das gestantes, dos colegas que me mandam bilhetinhos estapafúrdios indicando cesarianas por motivos os mais exóticos, e recentemente a Gisele Leal que compilou mais indicações informadas pelas mulheres dos grupos do Facebook, e Mel Machado, que contribuiu com a história da lesão medular

Soube de mais algum pretexto estapafúrdio para cesariana? Escreva para melania.amorim@gmail.com ou poste em meu perfil no Facebook: Melania Amorim

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