Pau e Circo: Copa, Olimpíadas, Movimentos Sociais e Cidade de Exceção
Guilherme Marques “Soninho” (doutorando do IPPUR/UFRJ)
Megaeventos
como a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos estão associados,
hoje em dia, à execução de grandes projetos de intervenção urbana. A
organização desses grandes eventos passa a fazer parte de um tipo de
modelo de planejamento urbano, o “empresariamento urbano”. Intervenções
pontuais, capazes de estimular uma renovação urbana e o aburguesamento
em diferentes áreas de cidade, são parte fundamental da estratégia do
empresariamento urbano. Essas áreas da cidade, valorizadas por obras de
infra-estrutura e pela proximidade de equipamentos esportivos, para
atrair investimentos e novos negócios, tornam-se palco de despejos e
remoções dos moradores pobres, de rua e de habitações irregulares, da
repressão aos trabalhadores de rua, ambulantes etc. A cidade também
precisa ser livre de conflitos e, para tanto, a repressão policial
objetiva intimidar e impedir as manifestações dos críticos e atingidos
pelas mudanças.
Copa, Olimpíadas e o Rio de Janeiro
No Rio de
Janeiro, os efeitos desse modelo já podem ser percebidos. Todos os
projetos de intervenção urbana são voltados para os megaeventos
esportivos. Afinal, serão alguns dias de grande divulgação da imagem da
cidade, e a propaganda é a alma do negócio. O que está sendo negociado,
porém, é bem concreto: são os terrenos públicos e privados que poderiam
ser usados para habitação popular. Estão sendo negociadas isenções de
impostos para os investimentos do capital, enquanto faltam recursos para
saúde e educação. Estão sendo negociados novas leis e parâmetros
urbanísticos que atendam às grandes cadeias internacionais de hotéis, e
que garantam também que os pobres serão removidos para bem longe. Estão
sendo negociados mais uma reforma do Maracanã, outra do Sambódromo, além
da construção, com dinheiro público, de vilas olímpicas para atletas,
árbitros, mídia etc, de forma que as construtoras recebam todos os
benefícios, aluguem esses quartos para o poder público antes e durante
os eventos, e depois os vendam para os ricos e especuladores.
Planejamento? Apenas para a elaboração de um cardápio de possíveis
intervenções urbanas que serão postas em prática conforme o capital
compre ou não cada projeto, através das parcerias público privadas
(PPPs). Democracia? Apenas para o capital, que diretamente decide o que e
onde será realizado, construído ou utilizado na e da cidade.
Em suma,
está sendo negociada a cidade, e com ela todos seus recursos e os
direitos dos seus moradores e trabalhadores. E, se flexibilização e
desregulamentação são palavras mágicas para o capital e o
neoliberalismo, elas são, agora, aplicadas também às cidades. Argumentam
que vivemos um momento excepcional, que prazos para obras precisam ser
cumpridos para que o Rio e o Brasil não passem vergonha. O resultado é a
instauração de uma cidade de exceção. Cidade onde leis de licitações,
limites de endividamento, leis que regulam os parâmetros urbanos, leis
fiscais, ambientais, e mesmo as garantias dos direitos individuais e
coletivos são flexibilizadas conforme o gosto do freguês (investidores).
E, se o
objetivo são os negócios, não esqueçamos: “amigos, amigos… negócios à
parte”. Pois, se o objetivo é uma cidade amigável aos negócios e o
capital, a cidade não será amigável aos seus moradores e trabalhadores.
Vejamos: estão previstas remoções de 130 favelas até as Olimpíadas. Para
a construção de 3 grandes vias rodoviárias (Transcarioca, Transoeste e
Transolímpica) serão necessários milhares de despejos, que estão sendo
realizados, sobretudo na região de Jacaré Paguá, sem o mínimo de
respeito aos direitos de moradia e aos direitos humanos. Os 73 terrenos
do Metrô, todos em áreas com infraestrutura, ao invés de usados para
habitação popular, serão vendidos para fazer caixa para o metrô
prometido ao COI. A Zona portuária carioca, onde cerca de 70% do solo é
público, também entrou nos planos Olímpicos, para reforçar o projeto de
aburguesamento da região. A política de segurança, o que inclui as UPPs,
tem como prioridade criar zonas de paz (e de muros) nos entornos dos
equipamentos esportivos, nas vias de acesso dos turistas, e nas áreas
valorizadas ou em vias de valorização. E, por falar em segurança,
lembremos: os jogos Pan-americanos no Rio, em 2007, começaram com o
massacre no Alemão. E isso não foi mera coincidência: foi a política do
circo que, no nosso caso, tem como acompanhamento o pau em vez do pão.
Já que
estamos falando nisso: alguém acha que é coincidência o fato de termos
no Rio uma coalizão de poder envolvendo as 3 esferas de governo:
federal, estadual e municipal ? Ou acha que é por acaso que 90 (ou 91)
dos 92 prefeitos do Estado do Rio tenham apoiado a reeleição do
Governador ? Não, isso não é mera coincidência. Essa é uma das
expressões da unidade da classe dominante aqui. Unidade essa que há uns
50 anos não existia (se é que existiu algum dia). E essa unidade tem
como um de seus pilares o projeto de fazer da cidade do Rio uma cidade
global (da periferia do capitalismo), e para tal é fundamental a
realização dos megaeventos esportivos.
Segundo a
teoria, as cidades globais concentram sedes de empresas transnacionais,
precisam ter hotéis, serviços e equipamentos de 1ª classe para os homens
de negócios. Precisa ter também uma excelente infraestrutura para essas
empresas, tanto na área de comunicações como aeroportos, segurança etc.
E precisam ter também condições atrativas para as empresas, como
isenção de impostos, oferta de terrenos com infraestrutura e baixo
preço, mão de obra barata etc. Não é a toa que vemos serem
desengavetados projetos impopulares como as privatizações de aeroportos,
da saúde, através das terceirizações nas emergências de hospitais,
propostas de aumento da idade de aposentadoria dos professores etc. E
tudo em nome da Copa e das Olimpíadas! Novamente segundo essa teoria,
alguns dos efeitos desse modelo tão almejado são o aumento da
desigualdade social e econômica e da segregação espacial. Mas alguém
acha que isso é um problema para a classe dominante?
Para pôr
tudo isso em prática, é preciso convencer disso também os trabalhadores,
os pobres e até mesmo os movimentos sociais, sindicais etc. E nada
melhor do que o clima criado pelos grandes eventos esportivos para isso.
Ou ninguém lembra das festas de rua para comemorar a vitória do Rio e
do Brasil pelo direito de ser sede das Olimpíadas? Megaeventos servem
também para difusão de um “patriotismo da cidade”, que visa angariar
apoio popular ao projeto da classe dominante, e assim para evitar e
criminalizar as críticas, os conflitos urbanos, trabalhistas,
fortalecendo ainda mais a cidade de exceção. Afinal, argumentam mídia e
governos: remoções, despejos, obras faraônicas e desnecessárias, muros
em favelas etc estão a serviço de um bem maior e, se alguém se insurge
contra essas coisas, está contra o progresso, a cidade e o espírito
olímpico !!!
Coerção e
consentimento, criminalização dos pobres e patriotismo da cidade. Eis a
velha fórmula de hegemonia. Mesmo assim, há aqueles que resistem. E a
resistência a megaeventos tem feito história. E essa história é escrita
através dos conflitos e pelos movimentos sociais.
PAN Rio 2007: Manifestações e Manifestantes.
Com a
realização do PAN 2007 no Rio, muitas manifestações, antes, durante e
depois do evento foram realizadas. Foram organizadas por movimentos que
representavam grupos sociais diretamente ou indiretamente atingidos pelo
evento. As obras relativas aos Jogos; as prioridades orçamentárias das
três esferas do Estado; e a política de segurança implementada durante o
PAN e as remoções foram, entre outros, fatores que atingiram diferentes
segmentos da população. Mas, existiram também aqueles que aproveitaram a
ocorrência do PAN para realizarem manifestações: que usaram o PAN como
arena para dar mais visibilidade às suas lutas e reivindicações. A
articulação desses movimentos e entidades resultou na construção de uma
ampla rede de entidades e movimentos sociais. Essa articulação de
movimentos sociais no Rio de Janeiro se deu, em um primeiro momento,
através do Comitê Social do PAN. Depois, quando passou a organizar um
conjunto maior de movimentos e entidades, através da Plenária de
Movimentos Sociais (PMS-RJ).
Agora,
4 anos depois do PAN e alguns ainda antes da Copa do Mundo e das
Olimpíadas, podemos aprender com a experiência recente de nossas lutas.
No caso do PAN 2007, o legado para a população, em matéria de obras e
equipamentos, foi praticamente nenhum, enquanto os custos foram bastante
altos. Já do ponto de vista das lutas sociais, os legados foram
significativos. E serão mais ainda se, agora, servirem não apenas às
lutas no Rio, mas também a todos os lutadores das cidades sedes da Copa
do Mundo de 2014. Os comitês populares da Copa estão sendo criados.
Porto Alegre, Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte são algumas das
cidades onde já existem. No Rio, o comitê popular é da Copa e
Olimpíadas. Cabe a todos nós participar desses comitês, preparando a
resistência para impedir que o circo aqui montado não venha acompanhado
de mais pau nos trabalhadores e setores mais vulneráveis de nossa
cidade.
Fonte: do Blog do Comitê Popular Copa & Olimpíadas Rio:
http://comitepopulario.wordpress.com/2011/03/22/pau-e-circo-copa-olimpiadas-movimentos-sociais-e-cidade-de-excecao/
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