Excesso de Copa afeta democracia no Brasil
Por Licio Monteiro *
Mr. Valcke – secretário-geral da FIFA – afirmou que “menos democracia
é melhor para se organizar uma Copa do Mundo”. Ele disse que será mais
fácil na Rússia, com o pulso firme de Putin do que foi na Alemanha, onde
tinha que negociar. O recado, no entanto, é para o Brasil. Limpem o
terreno para a ditadura da FIFA! Para isso, nada melhor do que contar
com o presidente da CBF José Maria Marin, um especialista em repressão
política – foi quem pediu a cabeça do Vladimir Herzog na época da
ditadura –, e Joseph Blatter, atual presidente da FIFA, que declarou ter
ficado feliz quando a Argentina ganhou a Copa de 1978 porque a ditadura
argentina recuperou seu prestígio popular.
Mr. Valcke confunde democracia com licença para falar besteira. O que
temos no Brasil é muito mais a segunda opção do que a primeira. Não
fosse isso, talvez as forças do povo já teriam dado um belo chute no
traseiro desse cara por suas últimas declarações – assim como ele disse
há um ano atrás que deveria ser feito com o Brasil.
O que tem ocorrido de maneira sistemática é que a Copa do Mundo tem
instituído um estado de exceção no qual a democracia tem sido ora
erodida lentamente sem que as pessoas percebam, ora desbarrancada de
modo abrupto, na cara de todo mundo.
O que é preciso destacar na fala do Mr. Valcke é que a recíproca
também é verdadeira: a Copa tem afetado a democracia de diferentes
formas desde que foi estabelecida como a prioridade do país.
Vamos enumerar algumas das maneiras como a Copa tem deixado nosso país mais autoritário.
1. Remoções forçadas: estima-se que o número de
pessoas que já foram removidas ou estão sob ameaça de remoção forçada
por conta da Copa e das Olimpíadas chegue a 170 mil em todo o Brasil. A
voz dessas pessoas têm sido apagadas sistematicamente, as instituições
públicas que deveriam defender o direito dessa população cada vez mais
silenciam frente às exigências dos megaeventos esportivos. E na esteira
das remoções, novos espaços são incorporados à exploração comercial das
empresas que adquirirem as concessões dos estádios. Ou seja, tiram de
quem não tem nada para entregar àqueles bilionários que assumirão os
negócios quando a poeira baixar.
2. Negação de direitos sociais durante a Copa:
existe um projeto de lei tramitando no Congresso que prevê a supressão
de diversos direitos dos cidadãos brasileiros durante a Copa e
estabelece novos tipos penais de crime – inclusive de terrorismo, figura
que nem consta na legislação brasileira. E o pior é que isso vem com
restrições ao direito amplo de defesa. A FIFA vai poder definir quem
entra e quem sai do Brasil durante a Copa, obrigando a concessão de
visto para qualquer um que tenha comprado ingresso e restringindo a
entrada de estrangeiros indesejáveis. Além disso, o projeto de lei prevê
a suspensão do direito de greve, calando a boca dos trabalhadores
durante a festa para que nenhuma denúncia das condições de trabalho no
Brasil possa ser feita. Outro projeto ainda busca instituir “zonas
limpas” nas cidades-sede durante três meses que antecedem a Copa,
restringindo o acesso da população aos espaços públicos. Duvida que vá
acontecer? Pois no próximo sábado já estão previstas restrições no
entorno do Maracanã para o jogo festivo dos amigos do Ronaldo e do
Bebeto.
3. Redução do público nos estádios + altos preços: a
maioria dos estádios reformados para a Copa reduziu a capacidade de
público e aumentou a estratificação dos preços. Isso significa que
futebol em estádio vai cada vez mais deixar de ser um espetáculo para as
grandes multidões. Os antigos Maracanã, Mineirão, Beira-Rio e Fonte
Nova, grandes estádios reformados para a Copa, tiveram suas capacidades
reduzidas, apesar de ocuparem uma área mais extensa. Menos gente tem que
pagar mais caro para o estádio dar lucro. O preço mínimo do ingresso
que começaram a vender para a Copa do Mundo é de R$ 1.185,00.
4. Proibição de manifestações culturais brasileiras:
proibiram as baianas de venderem acarajé nas imediações dos estádios da
Copa, agora proibiram as festas de São João durante a Copa das
Confederações. A Lei da Copa prevê também o fim daquelas exibições em
telão no meio da rua, com as grandes multidões (Art. 16, inciso IV). E a
decoração da cidade deve ser exclusiva das marcas patrocinadoras da
FIFA, qualquer outro enfeite popular poderá ser removido. Mas já estão
inventando nossas novas tradições brasileiras: a caxirola (um chocalho
igual ao caxixi que acompanha o berimbau) e o pedhuá (um apito) já foram
patenteados pela CBF como os novos símbolos sonoros dos nossos estádios
durante a Copa.
5. Destruição de equipamentos esportivos de uso público:
imaginem que o Rio de Janeiro tivesse um parque aquático recentemente
reformado que atendesse aos atletas olímpicos e a diversos projetos
sociais gratuitos para a população. Imagina que tivesse também um
estádio de atletismo para treinamento das futuras promessas do esporte
olímpico do Brasil. E de quebra ainda uma escola pública modelo entre as
melhores da cidade. Agora pare de imaginar e olhe o Parque Aquático
Júlio Delamare, o Estádio de Atletismo Célio de Barros e a Escola
Friedenreich. Pois é, eles vão ser derrubados para a reforma do
Maracanã. E a empresa que derrubá-los ganhará o direito de
reconstruí-los, com subsídio do governo. Quando ficará pronto? Não se
sabe.
Esses são alguns dos pontos que já estão em pauta. Mas o pior
certamente está virá quando estivermos mais perto dos megaeventos. A
Copa não é e não vai ser de todo mundo. Por isso não se surpreendam
quando amanhã de manhã a felicidade desabar sobre os homens – não é, Tom
Zé? Lembra da propaganda de cerveja em que o Ronaldo aponta o dedo para
os pessimistas? Nessa Copa os pessimistas são todos suspeitos.
* Licio Monteiro, geógrafo, doutorando em Geografia/UFRJ
Fonte: blog do Comitê Popular Copa & Olimpíadas Rio
http://comitepopulario.wordpress.com/2013/04/26/excesso-de-copa-afeta-democracia-no-brasil/
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