Resumo da ópera:
1) Redução da maioridade penal: (...) Quem quer que tenha iniciado essa
campanha agiu de má-fé e propositalmente confundiu o conceito de
maioridade penal com o de responsabilidade penal, que são coisas
distintas. No Brasil temos maioridade penal aos 18 anos e
responsabilidade penal aos 12 (...) O Ministério Público do estado do
Paraná também possui um site destinado a comparar as idades de
maioridade e responsabilidade penal nos diversos países. Como qualquer
um pode conferir com base nas referências, as campanhas pela redução da
maioridade penal que comparam a nossa legislação com a de diversos
países são extremamente mentirosas. (...)
Além disso, a
reincidência dos menores que já foram internados chega a 80% em alguns
lugares do nosso país, (...) A reincidência de criminosos adultos também
é incrivelmente alta, de 70%.
(...) Vejo muitos defendendo que a redução seja para dezesseis anos, mas sem nenhuma justificativa objetiva para isso.
(...) Por ironia, países em que as prisões são mais humanas conseguem
reabilitar boa parte dos seus presos. É o caso da Noruega, que recupera
80% da população carcerária
(...) “Mas então devemos deixar
esses menores matando por aí, certos de que não haverá punição?”,
vocifera o “cidadão de bem” indignado. Claro que não. Para começar,
entre 70% e 80% dos crimes praticados por menores são contra o
patrimônio. Eles estão pichando muros e furtando, não matando. Só 11,6%
cometem crimes contra a vida (homicídio, por exemplo).
3) Auxílio-reclusão ou “bolsa-bandido”:
Trata-se de um benefício destinado aos dependentes do preso, não a ele
próprio. (...) E o benefício é válido apenas para presos que estavam
contribuindo com o INSS no momento da prisão.
(...) o valor
recebido é determinado com base no salário-base de contribuição, e não é
necessariamente maior do que o salário mínimo (...) há um limite para o
valor do auxílio – quem ganhava salários altos antes de ser preso não
tem direito ao auxílio-reclusão.
4) Cartão-recomeço ou “bolsa-crack”:
O uso de drogas hoje é visto no país como uma doença e, apesar de ainda
ser crime (vide artigos 28 a 30 da lei 11.343/2006), não cabe mais a
reclusão em presídio.
(...) o cartão se destina ao pagamento
de clínicas para o tratamento do dependente químico, e nem o usuário de
drogas e nem a família dele terão acesso ao dinheiro. O benefício só
abrangerá usuários que procurem o tratamento voluntariamente, e cabe à
clínica controlar o uso do dinheiro e a frequência do dependente químico
no tratamento, pois é ela que ficará em posse do cartão.
(...)
E qual a razão de tantas pessoas defenderem sandices quando o assunto é
segurança pública? Em parte, creio que o problema esteja com a venda
casada de ideologias, assunto que abordei em ocasião anterior. O
brasileiro mediano é tão desesperado para se encaixar em um grupo social
qualquer que voluntariamente abre mão de seu raciocínio crítico assim
que se apresenta a oportunidade, sucumbindo a falsas dicotomias e
maniqueísmo tolo.
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Matéria na íntegra:
10.maio.2013
“O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo:
todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar
nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que já
possuem” – René Descartes.
O motivo de começar esse texto com uma citação tão entupida de
sarcasmo e ironia publicada pelo famoso filósofo francês em 1637 (na
obra “Discurso sobre o método”) é bem simples: falta-nos bom senso.
Tenho visto em todos os lugares – principalmente nas redes sociais –
pessoas revoltadas se manifestando sobre as últimas notícias a respeito
da criminalidade. Os assuntos mais populares são, na ordem: 1) redução
da maioridade penal; 2) morte do traficante “Matemático”; 3)
auxílio-reclusão; 4) “bolsa-crack”. Quase todos os discursos seguem o
mesmo padrão: exigem endurecimento na forma como tratamos os criminosos,
acham absurdas as medidas atuais do governo e discutem a legislação
vigente. É até engraçado ver como subitamente todos, sem exceção,
tornaram-se PhD’s em direito. Abordarei os assuntos na mesma ordem.
1) Redução da maioridade penal: Circulam por aí
quadros comparativos informando que a maioridade penal em diversos
países é mais baixa do que no Brasil, e questionando por que o nosso
país seria “o único correto” e “todos os demais países estariam
errados”. Nelson Rodrigues chamaria isso de “síndrome de vira-latas”. O
cidadão mal-informado, como era de se esperar, se convence facilmente
por esse tipo de discurso e passa a repeti-lo. O problema é que a
informação é falsa. Quem quer que tenha iniciado essa campanha agiu de
má-fé e propositalmente confundiu o conceito de maioridade penal com o de responsabilidade penal, que são coisas distintas. No Brasil temos maioridade penal aos 18 anos e responsabilidade penal aos
12, que é a idade a partir da qual um jovem pode passar por “medidas
socioeducativas” – o que inclui internação, que nada mais é do que um
termo maquiado para encarceramento em uma prisão juvenil. A Youth
Justice Board, órgão público do Reino Unido, possui um relatório bem
interessante sobre a maioridade penal nos diversos países, incluindo
uma tabela comparativa que pode ser encontrada na página 35. A
responsabilidade penal está listada no mesmo link, na página 30. O
Ministério Público do estado do Paraná também possui um site destinado
a comparar as idades de maioridade e responsabilidade penal nos
diversos países. Como qualquer um pode conferir com base nas
referências, as campanhas pela redução da maioridade penal que comparam a
nossa legislação com a de diversos países são extremamente mentirosas.
Mas vamos assumir que, apesar de serem falsos todos os dados que os
recém-PhD’s em direito formados nas redes sociais usam para embasar suas
posições, o Brasil ainda considere a ideia de reduzir a maioridade
penal. As prisões brasileiras possuem um déficit de 240.000 vagas. Pretendemos colocar ainda mais gente na cadeia? 40% desses presos são provisórios e
muitos, inocentes, sofrem com as condições sub-humanas das nossas
prisões e acabam com sequelas irreversíveis. Não são incomuns casos de inocentes que apanharam ou foram estuprados e
ainda sofrem com as consequências. Talvez os adeptos da redução da
maioridade penal pretendam resolver o déficit de vagas colocando aqueles
que infringem a lei em contêineres, como já ocorreu no Pará e no Espírito Santo.
Além disso, a reincidência dos menores que já foram internados chega a 80% em alguns lugares do nosso país, o que é muito alto
e mostra como a ideia de colocar todo mundo na cadeia é tresloucada. A
proposta do senso comum é usar a lei e o estado como uma chantagem
contra o contraventor: “se você transgredir a lei, vai pra prisão”. Só
que colocá-lo na cadeia com a nossa estrutura carcerária atual estimula o
menor a infringir a lei novamente. Em outras palavras: pôr os menores
na prisão não resulta em nenhum benefício para o restante da sociedade. E
se eles sofressem penas da mesma forma e intensidade que os adultos? A reincidência de criminosos adultos também é incrivelmente alta, de 70%.
Além do mais, Qual seria o critério para estabelecer a nova idade de
maioridade penal? Vejo muitos defendendo que a redução seja para
dezesseis anos, mas sem nenhuma justificativa objetiva para isso. Por
que não dezessete? Por que não quinze? E catorze? Qual será o critério
para determinar a idade? É um critério objetivo ou se baseia somente em
“achismos”? Quem nos garante que com a redução da maioridade penal para,
por exemplo, dezesseis anos, os chefes de gangues não começariam a
cooptar adolescentes ainda mais jovens para o crime?
Por ironia, países em que as prisões são mais humanas conseguem reabilitar boa parte dos seus presos. É o caso da Noruega, que recupera 80% da população carcerária (só
tem 20% de reincidência). Existe uma diferença de mentalidade entre
eles e nós: lá as prisões servem para fazer bem à sociedade, e não para
fazer mal a um indivíduo que parte da população considerou
“indesejável”.
“Mas então devemos deixar esses menores matando por aí, certos de que não haverá punição?”, vocifera o “cidadão de bem” indignado. Claro que não. Para começar, entre 70% e 80% dos crimes praticados por menores são contra o patrimônio. Eles estão pichando muros e furtando, não matando. Só 11,6% cometem crimes contra a vida (homicídio,
por exemplo). E, independente de qual seja a infração ou crime que
cometam, eles devem ser punidos. Só não devemos nos deixar levar por um
sentimento generalizado de vingança social quando discutirmos as
punições. Até hoje ninguém forneceu um único argumento a favor da
diminuição da maioridade penal que não se baseasse em algum tipo de
vingança contra o infrator. É sempre a repetição das mesmas frases: “e se fosse com você e com sua família?” (e quem disse que nunca me aconteceu?), “não podemos deixar eles soltos” (como se a única forma de punição legalmente prevista fosse cadeia – serviço comunitário é punição, multa é punição…), “eles precisam ser punidos” (sendo
que o propósito social do sistema carcerário não é punir, e sim
reabilitar), e assim por diante. O único discurso que vejo não se basear
em vingança é “se podem votar aos 16 anos, por que não poderiam responder criminalmente?”. Embora persuasivo, esse questionamento tem tanta validade quanto perguntar: “se a bicicleta é vermelha, por que o chocolate não é salgado?”. Misturam categorias diferentes.
2) Morte do traficante “Matemático”: Não foi por
acaso que escolhi uma citação de René Descartes, famoso matemático, para
iniciar esse texto. Mas deixemos o sarcasmo de lado. Recentemente uma
conhecida rede de televisão divulgou um vídeo sobre
uma operação policial ocorrida um ano atrás, na qual um perigoso
traficante foi morto por policiais que efetuaram disparos a partir de um
helicóptero.
Aqueles que pedem o embrutecimento do estado alegam que é função do
policial eliminar elementos nocivos à sociedade, principalmente se
houver resistência à prisão. Embora eu concorde que se houver
resistência à voz de prisão o policial pode (e deve) usar a força, não
necessariamente essa força deve ser letal. Só se deve
usar força letal se o suspeito apresentar risco à vida do agente ou de
terceiros. Não foi o caso nesta situação. Os policiais atiraram primeiro
e sequer havia como darem voz de prisão pois estavam no alto, em um
helicóptero. Não estavam reagindo, pois os suspeitos só atiraram depois
da primeira salva vinda do helicóptero da polícia. Foi uma execução
sumária.
Considere-se ainda como agravante o fato de que os policiais
distribuíram disparos a esmo em uma área densamente habitada como se
fossem personagens em um jogo de videogame. Qualquer praticante de tiro
sabe que toda munição disparada representa um risco, ela irá atingir
algo. Se esse “algo” é um objeto inanimado ou uma pessoa é onde reside a
diferença entre um tiro que errou e uma bala perdida que ceifou a vida
de alguém.
Além disso, nunca foi função do policial eliminar criminosos. A
população trata a polícia como um grupo organizado de capatazes,
jagunços ou capitães-do-mato que possuem a função de “nos” proteger (os
“humanos direitos”) “deles” (os “bandidos”). Não é assim que funciona, a
coisa não é preto-no-branco. Essa não é nem nunca foi a função do
policial, e no dia em que passar a ser ele será exatamente igual a
qualquer gângster comum. Infelizmente, por falta de formação, alguns
policiais absorvem esse discurso do senso comum e não só já agem assim,
como propagam esse modo de pensar aos quatro ventos. Não são incomuns
casos de cidadãos confundidos com criminosos e executados pela nossa
polícia extremamente mal-treinada. Provavelmente poucos ainda se lembram
do caso do menino João Roberto, que morreu após ter sido atingido por um tiro quando a polícia abriu fogo contra o carro de sua mãe. Há ainda o caso de Hélio Ribeiro,
morador do Morro do Andaraí, que foi morto quando um policial confundiu
sua furadeira com uma arma de fogo. E o que dizer sobre o também
menino Juan Moraes,
que foi assassinado por policiais que ainda tentaram esconder seu
corpo? Esses são só alguns casos dentre vários que se repetem
diariamente Brasil afora.
Não podemos permitir que a polícia aplique penas sumárias sem que os
suspeitos sejam julgados pelo simples fato de que isso implodiria nossa
sociedade por quebrar a divisão entre os três poderes (executivo,
legislativo e judiciário). A polícia é um dos braços do executivo, não
cabe a ela o papel tríplice de julgar, determinar e aplicar penas.
Julgar e determinar penas é função do judiciário. Muitos inocentes
morrerão se invertermos os papéis. Precisamos de uma polícia eficiente,
bem treinada e bem equipada, mas a função dela não é caçar bandidos e
abatê-los. Sua função é levá-los ao judiciário. Uma polícia embrutecida e
que ministra a violência da forma que quiser, sem nada que a
regulamente, não é muito diferente de uma gangue.
Estão dizendo, sobre a morte do “Matemático”, que é menos um. A verdade é que o mataram sem mais nem menos.
3) Auxílio-reclusão ou “bolsa-bandido”: Aparentemente nenhuma das pessoas que protestaram contra isso se deu ao trabalho de verificar as regras da previdência social em relação ao auxílio-reclusão. Trata-se de um benefício destinado aos dependentes do
preso, não a ele próprio. Isso significa que se um pai de família for
preso por um motivo qualquer, sua esposa e seu filho não passarão fome e
não terão de entrar na criminalidade para se sustentarem. E o benefício
é válido apenas para presos que estavam contribuindo com o INSS no
momento da prisão. “Mas que criminoso contribui com o INSS?”,
pergunta o “cidadão de bem”. Exato: o benefício não se destina a
criminosos contumazes (os “bandidos profissionais”), mas a pessoas
comuns, com empregos, com dependentes, que porventura acabem cometendo
algum crime e sejam presas por isso. Além disso, o valor recebido é
determinado com base no salário-base de contribuição, e não é necessariamente
maior do que o salário mínimo – se o preso sempre contribuiu com um
valor equivalente ao salário mínimo, sua família receberá este valor. Se
ele contribuiu com mais, há um limite para o valor do auxílio – quem ganhava salários altos antes de ser preso não tem direito ao auxílio-reclusão.
4) Cartão-recomeço ou “bolsa-crack”: É interessante
ver como o brasileiro sempre reclama que a lei não é cumprida, mas
quando o governo decide cumprir as leis atribuem ao fenômeno um nome
falacioso qualquer e demonstram resistência à ideia.
O uso de drogas hoje é visto no país como uma doença e, apesar de ainda ser crime (vide artigos 28 a 30 da lei 11.343/2006),
não cabe mais a reclusão em presídio. O cartão-recomeço, que foi
apelidado de “bolsa crack”, é a previsão legal (artigos 20 a 26 da
referida lei) de que o governo deve implementar políticas públicas para
tratamento dos usuários de drogas. Novamente, a maioria das pessoas não
se deu ao trabalho de procurar saber que o cartão se destina ao
pagamento de clínicas para o tratamento do dependente químico, e nem o usuário de drogas e nem a família dele terão acesso ao dinheiro. O benefício só abrangerá usuários que procurem o tratamento voluntariamente, e cabe à clínica controlar o uso do dinheiro e a frequência do dependente químico no tratamento, pois é ela que ficará em posse do cartão.
Se o temor do “cidadão de bem” é que o dinheiro do contribuinte seja
usado para comprar drogas e a pessoa afunde ainda mais no vício, esse
cidadão é um idiota que sequer procura uma informação antes de enunciar
seu julgamento a respeito.
Então, após tantas críticas, como resolver o problema da
criminalidade? Não é tarefa simples. Todas as posições dantescas que
vemos serem defendidas pelos especialistas em segurança pública formados
em redes sociais se baseiam justamente na simplificação absurda de um
problema altamente complexo. É necessário aumentar a eficiência do judiciário, construir novos presídios – bem equipados e organizados, como os Noruegueses – para suprir o déficit de vagas e treinar a polícia para que execute sua função apropriadamente.
Com a primeira medida, teríamos um desafogamento dos presos provisórios
e decisões mais céleres que retirassem de circulação os criminosos
realmente perigosos. Com a segunda, teríamos presídios que efetivamente
recuperassem os presos ao invés de piorá-los, diminuindo a reincidência.
Com a terceira, passaríamos a ter medo apenas dos criminosos, e não
temeríamos cruzar o caminho de algum policial que pensa estar em uma
zona de guerra.
E qual a razão de tantas pessoas defenderem sandices quando o assunto
é segurança pública? Em parte, creio que o problema esteja com a venda casada de ideologias,
assunto que abordei em ocasião anterior. O brasileiro mediano é tão
desesperado para se encaixar em um grupo social qualquer que
voluntariamente abre mão de seu raciocínio crítico assim que se
apresenta a oportunidade, sucumbindo a falsas dicotomias e maniqueísmo
tolo. Se você criticar uma ação da polícia, é porque “é contra a polícia” e, consequentemente, “é a favor dos
bandidos”. Foi assim que surgiu o trocadilho imbecil de qualificar como
“defensor dos direitos dos manos” qualquer um que critique a forma como
o sistema penal ou o carcerário funcionam no nosso país. Como afirmou
um leitor, as pessoas tendem a terceirizar o seu pensamento ao invés de
coletarem informações e formularem uma opinião própria.
Em resumo: falta-nos bom senso. Mesmo que julguemos que já o possuímos em quantidade suficiente.
Agradeço a Vinícius Arena por indicar as leis referentes ao quarto tópico abordado.
Fonte: http://www.enfu.com.br/sobre-bolsa-crack-maioridade-penal-morte-do-matematico-e-assuntos-correlatos/
Su:
Muito complicado essa ideia de punição pela grana e por medida socieducativa! A grana é sempre pra quem não pode pagar e as medidas são parcamente cumpridas! Eu admito...
Quanto a função da polícia, é uma instituição falida em si!
E segurança pública pra mim não é caso de polícia! A polícia só entra no final, pra oprimir e DESFAZER a cena d conflito, independente dos agentes envolvidos.
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