segunda-feira, 13 de maio de 2013

A encruzilhada do combate às drogas



Governo brasileiro discute projeto de lei que insiste em criminalização e internação involuntária, mas experiências do passado e do presente apontam caminho alternativo

(De O Globo, 11/05/2013, Prosa e Verso)

Quando pensamos sobre drogas, o medo e o estigma tendem a ser obstáculos ao pargmatismo. O desejo de eliminar o problema fala mais alto do que o pensamento racional. O PL 7663/10, que está sendo discutido no Congresso Brasileiro, segue esta direção ao insistir na criminalização do uso de drogas, penas mínimas obrigatórias e internação involuntária para dependentes.

O Brasil deveria estudar os últimos 40 anos de guerra às drogas: os fatos demonstram que, apesar dos investimentos de trilhões de dólares em repressão e encarceramento em massa, o consumo de drogas não foi reduzido e continua sendo um mercado lucrativo para o crime organizado.

A razão para tamanho fracasso é simples, embora algumas pessoas tenham dificuldade em aceitá-la: não existe sociedade livre de drogas. Desde o início dos tempos, os seres humanos buscaram e utilizaram substâncias que alteram corpo e mente. A verdadeira questão não é como se livrar das drogas, mas como implementar políticas e programas que eduquem as pessoas para reduzir o abuso e a violência e garantir a saúde e segurança dos cidadãos.

Deveríamos estar nos perguntando: quanto custa aos cofres públicos manter usuários e pequenos traficantes não violentos em presídios? Esta prática está reduzindo o consumo de drogas? Estamos ajudando estas pessoas a se recuperar e se reintegrar à sociedade? Estes recursos poderiam ser melhor empregados em pesquisas e tratamentos? Questionamentos que não são feitos permanecem sem respostas, mas uma consulta à história recente ajuda a esclarecer alguns pontos.

A experiência da proibição do álcool nos EUA nos anos 1920 é um bom exemplo. O álcool é uma droga que pode causar dependência e danos sociais, então começaram a proibi-la, primeiro em nível estadual e, depois, nacionalmente. Esperava-se que maridos deixassem de espancar mulheres e filhos e que os acidentes fossem menos frequentes. Mas o que aconteceu? À medida que as pessoas se cansaram da proibição, mais gente começou a beber. A cerveja se tornou menos disponível porque os traficantes lucravam mais com bebidas destiladas. Inevitavelmente, a polícia passou a prender pobres que bebiam e vendiam álcool, enquanto drinques finos eram servidos nas residências dos governadores e na Casa Branca. Centenas de milhares de pessoas ficaram cegas, foram envenenadas e até morreram por ingerir bebidas alcoólicas ilegais e de péssima qualidade. Eventualmente, ficou claro que a repressão causava mais danos sociais do que o abuso de álcool cometido por uma pequena fração dos usuários. A proibição foi revogada e substituída por diferentes formas de controle e regulação locais e regionais para o mercado do álcool.

Agora vejamos o tabaco. O tabagismo e as mortes que ele causa caíram drasticamente nas últimas décadas como resultado de impostos mais altos, amplas restrições aos locais onde é permitido fumar e campanhas públicas de educação. Muitas pessoas acham que está na hora de proibir totalmente o consumo de cigarros. O que aconteceria? O número de fumantes e pessoas que morrem de câncer provavelmente iria cair ainda mais. Mas o que mais?

Milhões de pessoas continuariam a fumar, mas teriam que obter seus cigarros no mercado ilícito. O crime organizado seria dono de um negócio lucrativo, ganhando fortunas imensas, corrompendo governos e usando violência para proteger e expandir sua fatia de mercado. O sistema de segurança criaria divisões especializadas em repressão ao tabaco. A prisões transbordariam com infratores da lei do tabaco. Adolescentes seriam tentados pelo "fruto proibido"da droga agora ilegal. E até mesmo a onda produzida pelo tabaco se tornaria algo diferente, mais parecida com o crack de hoje.

Pensa sobre a proibição do álcool; imagine a criminalização do tabaco. Coloque o estigma de lado e entenda por que nós precisamos reformar as leis de drogas agora.

A proibição das drogas é a maior fonte de renda para o crime organizado, gerando violência e corrupção. Leis criminais mais duras apenas alimentam uma guerra que não pode ser vencida. No outro extremo, obviamente, a liberalização geral e irrestrita das drogas não é desejável, porque pode promover um aumento no abuso dessas substâncias.

A melhor política de drogas está no equilíbrio, reduzindo ao máximo o papel da criminalização e da justiça criminal no controle de drogas, ao mesmo tempo em que protege a saúde e a segurança dos cidadãos. Significa avançar na direção de tornar as substâncias lícitas, taxadas e reguladas para efetivamente controlar sua produção e distribuição e restringir o abuso. Significa colocar a saúde e o cuidado no centro das políticas de drogas.

Tome como exemplo a situação do crack nas ruas brasileiras. Se você pudesse, com um estalar de dedos, eliminar o crack da sociedade, acabaria o problema social da pobreza, das pessoas que vivem nas ruas e das crianças abandonadas? Será que essas pessoas em situação de vulnerabilidade ficariam livres das drogas ou voltariam a cheirar cola e gasolina ou ingerir álcool como costumavam fazer antes? Com a diferença de que não eram criminalizadas, porque essas substâncias são lícitas. Internação forçada ou tratamentos involuntários não são a solução para o problema do crack, Uma boa resposta, pautada pelo respeito aos direitos humanos, está na assistência social e na saúde mental, que oferecem estratégias mais baratas e eficazes do que o sistema de justiça criminal.

O Brasil, assim como os EUA, encontra-se na encruzilhada de uma transformação multigeracional na política de drogas. No meu país, a sociedade começa a dar sinais concretos: as últimas eleições no Colorado e em Washington legalizaram a maconha para uso adulto, 18 estados regularam a cannabis medicinal e a maioria da população do país hoje é a favor da regulamentação da maconha, como já é feito com álcool e tabaco.

Alguns países estão liderando uma mudança global de paradigma em direção à descriminalização, redução de danos e políticas de regulação, outros estão seguindo. A mudança está chegando. E o Brasil, onde está?

Ethan Nadelmann

Ethan Nadelmann é cientista político e diretor-executivo da ONG norte-americana Drug Policy Alliance. Ele esteve no Brasil nos últimos dias para o Congresso Internacional sobre Drogas, em Brasília, e um debate promovido pela Rede Pense Livre, em São Paulo. Tradução de Rebeca Lerer e Shelley de Botton.

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