A encruzilhada do combate às drogas
Governo brasileiro discute projeto de lei que insiste em criminalização
e internação involuntária, mas experiências do passado e do presente
apontam caminho alternativo
(De O Globo, 11/05/2013, Prosa e Verso)
Quando pensamos sobre drogas, o medo e o estigma tendem a ser
obstáculos ao pargmatismo. O desejo de eliminar o problema fala mais
alto do que o pensamento racional. O PL 7663/10, que está sendo
discutido no Congresso Brasileiro, segue esta direção ao insistir na
criminalização do uso de drogas, penas mínimas obrigatórias e internação
involuntária para dependentes.
O Brasil deveria estudar os
últimos 40 anos de guerra às drogas: os fatos demonstram que, apesar dos
investimentos de trilhões de dólares em repressão e encarceramento em
massa, o consumo de drogas não foi reduzido e continua sendo um mercado
lucrativo para o crime organizado.
A razão para tamanho
fracasso é simples, embora algumas pessoas tenham dificuldade em
aceitá-la: não existe sociedade livre de drogas. Desde o início dos
tempos, os seres humanos buscaram e utilizaram substâncias que alteram
corpo e mente. A verdadeira questão não é como se livrar das drogas, mas
como implementar políticas e programas que eduquem as pessoas para
reduzir o abuso e a violência e garantir a saúde e segurança dos
cidadãos.
Deveríamos estar nos perguntando: quanto custa aos
cofres públicos manter usuários e pequenos traficantes não violentos em
presídios? Esta prática está reduzindo o consumo de drogas? Estamos
ajudando estas pessoas a se recuperar e se reintegrar à sociedade? Estes
recursos poderiam ser melhor empregados em pesquisas e tratamentos?
Questionamentos que não são feitos permanecem sem respostas, mas uma
consulta à história recente ajuda a esclarecer alguns pontos.
A
experiência da proibição do álcool nos EUA nos anos 1920 é um bom
exemplo. O álcool é uma droga que pode causar dependência e danos
sociais, então começaram a proibi-la, primeiro em nível estadual e,
depois, nacionalmente. Esperava-se que maridos deixassem de espancar
mulheres e filhos e que os acidentes fossem menos frequentes. Mas o que
aconteceu? À medida que as pessoas se cansaram da proibição, mais gente
começou a beber. A cerveja se tornou menos disponível porque os
traficantes lucravam mais com bebidas destiladas. Inevitavelmente, a
polícia passou a prender pobres que bebiam e vendiam álcool, enquanto
drinques finos eram servidos nas residências dos governadores e na Casa
Branca. Centenas de milhares de pessoas ficaram cegas, foram envenenadas
e até morreram por ingerir bebidas alcoólicas ilegais e de péssima
qualidade. Eventualmente, ficou claro que a repressão causava mais danos
sociais do que o abuso de álcool cometido por uma pequena fração dos
usuários. A proibição foi revogada e substituída por diferentes formas
de controle e regulação locais e regionais para o mercado do álcool.
Agora vejamos o tabaco. O tabagismo e as mortes que ele causa caíram
drasticamente nas últimas décadas como resultado de impostos mais altos,
amplas restrições aos locais onde é permitido fumar e campanhas
públicas de educação. Muitas pessoas acham que está na hora de proibir
totalmente o consumo de cigarros. O que aconteceria? O número de
fumantes e pessoas que morrem de câncer provavelmente iria cair ainda
mais. Mas o que mais?
Milhões de pessoas continuariam a fumar,
mas teriam que obter seus cigarros no mercado ilícito. O crime
organizado seria dono de um negócio lucrativo, ganhando fortunas
imensas, corrompendo governos e usando violência para proteger e
expandir sua fatia de mercado. O sistema de segurança criaria divisões
especializadas em repressão ao tabaco. A prisões transbordariam com
infratores da lei do tabaco. Adolescentes seriam tentados pelo "fruto
proibido"da droga agora ilegal. E até mesmo a onda produzida pelo
tabaco se tornaria algo diferente, mais parecida com o crack de hoje.
Pensa sobre a proibição do álcool; imagine a criminalização do tabaco.
Coloque o estigma de lado e entenda por que nós precisamos reformar as
leis de drogas agora.
A proibição das drogas é a maior fonte de
renda para o crime organizado, gerando violência e corrupção. Leis
criminais mais duras apenas alimentam uma guerra que não pode ser
vencida. No outro extremo, obviamente, a liberalização geral e
irrestrita das drogas não é desejável, porque pode promover um aumento
no abuso dessas substâncias.
A melhor política de drogas está
no equilíbrio, reduzindo ao máximo o papel da criminalização e da
justiça criminal no controle de drogas, ao mesmo tempo em que protege a
saúde e a segurança dos cidadãos. Significa avançar na direção de tornar
as substâncias lícitas, taxadas e reguladas para efetivamente controlar
sua produção e distribuição e restringir o abuso. Significa colocar a
saúde e o cuidado no centro das políticas de drogas.
Tome como
exemplo a situação do crack nas ruas brasileiras. Se você pudesse, com
um estalar de dedos, eliminar o crack da sociedade, acabaria o problema
social da pobreza, das pessoas que vivem nas ruas e das crianças
abandonadas? Será que essas pessoas em situação de vulnerabilidade
ficariam livres das drogas ou voltariam a cheirar cola e gasolina ou
ingerir álcool como costumavam fazer antes? Com a diferença de que não
eram criminalizadas, porque essas substâncias são lícitas. Internação
forçada ou tratamentos involuntários não são a solução para o problema
do crack, Uma boa resposta, pautada pelo respeito aos direitos humanos,
está na assistência social e na saúde mental, que oferecem estratégias
mais baratas e eficazes do que o sistema de justiça criminal.
O
Brasil, assim como os EUA, encontra-se na encruzilhada de uma
transformação multigeracional na política de drogas. No meu país, a
sociedade começa a dar sinais concretos: as últimas eleições no Colorado
e em Washington legalizaram a maconha para uso adulto, 18 estados
regularam a cannabis medicinal e a maioria da população do país hoje é a
favor da regulamentação da maconha, como já é feito com álcool e
tabaco.
Alguns países estão liderando uma mudança global de
paradigma em direção à descriminalização, redução de danos e políticas
de regulação, outros estão seguindo. A mudança está chegando. E o
Brasil, onde está?
Ethan Nadelmann
Ethan Nadelmann é
cientista político e diretor-executivo da ONG norte-americana Drug
Policy Alliance. Ele esteve no Brasil nos últimos dias para o Congresso
Internacional sobre Drogas, em Brasília, e um debate promovido pela Rede
Pense Livre, em São Paulo. Tradução de Rebeca Lerer e Shelley de
Botton.
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