quarta-feira, 7 de março de 2018

Segurança por Hélio Luz

Resumé

1 -
"Os diagnósticos incisivos de Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil no Rio, ficaram marcados na memória de quem, há quase 20 anos, o assistiu no documentário "Notícias de Uma Guerra Particular", descrevendo uma polícia que foi "criada para ser violenta e corrupta" e teria papel de "garantir uma sociedade injusta".

2 -
"Como você mantém os excluídos todos sob controle, ganhando R$ 112 por mês? Com repressão", disse aos diretores João Moreira Salles e Kátia Lund, na época em que chefiava a Polícia Civil fluminense, entre 1995 e 1997, referindo-se ao valor do salário mínimo de então.

3 -
"Por que cercar a favela, se o crime não está ali? O cerne da questão da insegurança não está ali. Aquilo ali é o resultado", afirma, considerando que os "meninos que estão no tráfico" são produto da desigualdade social.

Luz considera que a intervenção federal pode trazer benefícios se deixar de lado ações ostensivas nas favelas - que equivalem a "enxugar gelo" e estigmatizam os moradores - e trabalhar para recuperar as estruturas policiais, neutralizando a ação de agentes corruptos e fazendo com que os "mocinhos" - integrantes do sistema de segurança - façam jus à designação popular.

4 -
"Mas acho que temos que ter uma discussão mais consequente. Estamos falando do problema de segurança da população do Rio. Há uma questão real e podemos ter uma conversa séria sobre isso.

4 -
BBC Brasil - O mocinho é o policial?

Hélio Luz - Não só o policial. São os integrantes do sistema de segurança que operam no Estado do Rio. Pode ser bombeiro, agente penitenciário, policial rodoviário. É preciso transformar o mocinho em mocinho.

Crime organizado pressupõe atuação a nível nacional, formação de um cartel e inserção nos poderes da República. O que denominam "bandidos" no Rio, e tenho ojeriza a isso, não é crime organizado. O tráfico no Rio não é cartelizado e disputa permanentemente a área geográfica. Não tem um exército ou integrantes constantes. Tem muitos problemas internos.

O pessoal não percebe que isso é um produto da sociedade. Esses meninos que estão no tráfico são um produto direto nosso, da classe média, dos detentores do poder desse país.

BBC Brasil - São um produto da desigualdade social?

Hélio Luz - São um produto da concentração de renda. E não venha me dizer que a Índia ou outros países com desigualdade não têm esse problema. Aqui é diferente, pô. O nosso nível de concentração de renda é muito alto e resulta nisso.

A favela é produto nosso. Como é que não é produto dos que detêm o poder? Como é que não é produto da classe média? É produto meu. Como é que eu tenho aposentadoria integral e não tenho responsabilidade sobre a favela? Para eu ter meus privilégios, tem que existir favela. Isso é óbvio. O dinheiro público é um só. Se eu abocanho uma maior parte, falta do outro lado. Não há saída para isso.

Ele (o general) tem condição de recuperar as estruturas policiais e beneficiar o segmento que mais sofre com essa parafernália toda, o favelado, que é estigmatizado.

Lógico que para isso ele vai precisar de um grupo de policiais civis e militares que não usem o tal do guardanapo da cabeça. Não pode. Polícia que gosta de botar guardanapo na cabeça não serve para recuperar.


BBC Brasil - O senhor está falando do ex-governador Sérgio Cabral e do famoso jantar em Paris, com a farra dos guardanapos na cabeça.

Hélio Luz - É isso. (...)

Retirar a turma do guardanapo na cabeça é difícil, mas o general pode isolá-los, neutralizá-los. Não precisam ser todos. Na hora que neutraliza uma parte considerável, o restante se enquadra.

A partir disso, ele tem condições de reduzir as ações de vigilância ostensiva que essas GLOs (operações militares para Garantia de Lei e da Ordem) fazem, com tropas nas favelas estigmatizando essas áreas. Como se o problema estivesse dentro das favelas. Não está.

Como ele tem um comando inédito do sistema, ele pode priorizar investigações integradas e coordenadas para prender os agentes externos da insegurança.

Eu tenho muita dificuldade de chamar de bandido. Aqui no Brasil, chamar o pessoal que mora na favela de bandido é de uma incoerência tremenda. O bandido brasileiro usa terno e gravata.

Se ele (o general Braga Netto) quiser aprofundar as investigações, ele vai parar nas mesas de câmbio que operam na avenida Rio Branco (no centro do Rio).

Ninguém pode imaginar que o menino da favela tenha capital o suficiente para bancar os entorpecentes que circulam ali. Quem detém o capital que financia as drogas tem uma mesa que opera câmbio na Rio Branco e um filho que frequenta bons colégios. Se o general chegar lá, aí realmente vai estar combatendo o crime e melhorando as condições de segurança do Rio."

Taí o tipo de cara q eu discordo mas faz sentido.

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Matéria na íntegra:

O problema do Rio não são os bandidos, são os mocinhos', diz ex-chefe da Polícia Civil

Quase vinte anos após fala incisiva no documentário 'Notícias de Uma Guerra Particular', Hélio Luz diz que intervenção federal deve atacar corrupção policial e reduzir ações ostensivas em favelas, que estigmatizam moradores.




Os  diagnósticos incisivos de Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil no Rio, ficaram marcados na memória de quem, há quase 20 anos, o assistiu no documentário "Notícias de Uma Guerra Particular", descrevendo uma polícia que foi "criada para ser violenta e corrupta" e teria papel de "garantir uma sociedade injusta.

"Como você mantém os excluídos todos sob controle, ganhando R$ 112 por mês? Com repressão", disse aos diretores João Moreira Salles e Kátia Lund, na época em que chefiava a Polícia Civil fluminense, entre 1995 e 1997, referindo-se ao valor do salário mínimo de então.

Aos 72 anos, Luz está aposentado, afastado da vida pública e vive com a família em Porto Alegre, onde nasceu. Mas continua acompanhando de perto as notícias da guerra particular que não acaba no Rio.

Em entrevista à BBC Brasil, ele faz o esforço constante de deslocar o foco das favelas, que têm sido objeto de operações policiais e militares, e apontar o espelho de volta para as elites, para a classe média e para as forças de segurança.

"Por que cercar a favela, se o crime não está ali? O cerne da questão da insegurança não está ali. Aquilo ali é o resultado", afirma, considerando que os "meninos que estão no tráfico" são produto da desigualdade social.

Luz considera que a intervenção federal pode trazer benefícios se deixar de lado ações ostensivas nas favelas - que equivalem a "enxugar gelo" e estigmatizam os moradores - e trabalhar para recuperar as estruturas policiais, neutralizando a ação de agentes corruptos e fazendo com que os "mocinhos" - integrantes do sistema de segurança - façam jus à designação popular.

"O problema do Rio não são os bandidos. O problema do Rio são os mocinhos. Se ele recuperar o quadro de mocinhos, ele pode dar uma atenção real ao quadro de bandidos", afirma.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - Como o senhor se posiciona em relação à intervenção federal?
Hélio Luz - Eu entendo que a intervenção é constitucional. É inédita, mas é constitucional. A discussão está sendo muito reduzida ao oportunismo político de quem detém o poder. Foi uma medida oportunista? Foi, e nisso está longe de ser a primeira.
Mas acho que temos que ter uma discussão mais consequente. Estamos falando do problema de segurança da população do Rio. Há uma questão real e podemos ter uma conversa séria sobre isso.
Não vou falar no interventor, que é um cargo político, e sim no general Braga Netto, que manda no Comando Militar do Leste. O CML é o mais antigo e o mais completo arquivo de informações sobre os integrantes das polícias Civil, Militar e dos bombeiros do Estado do Rio. A troca de informação do Exército com as polícias é constante. A segunda seção das Forças Armadas sabe de tudo.
Outros comandantes do CML tiveram acesso a essas informações, mas não podiam fazer muita coisa. Agora o general tem acesso a essa inteligência e pode agir com base nela. Pode mudar o comando e mexer nas polícias. Isso é inédito.
BBC Brasil - Mas a intervenção tem data para acabar, dia 31 de dezembro. É possível resolver problemas estruturais na área de segurança?
Hélio Luz - Não, para isso, ele precisaria de mais tempo e de uma discussão mais ampla sobre um projeto de segurança. Mas ele pode recuperar a estrutura existente.
O grande problema que temos é quem executa a segurança pública. Os integrantes das polícias Militares e Civil. Se o general recuperar as estruturas internas, os agentes que provocam a insegurança ficarão limitados ao ambiente externo.
O problema do Rio não são os bandidos. O problema do Rio são os mocinhos. Se ele recuperar o quadro de mocinhos, ele pode dar uma atenção real ao quadro de bandidos.
BBC Brasil - O mocinho é o policial?
Hélio Luz - Não só o policial. São os integrantes do sistema de segurança que operam no Estado do Rio. Pode ser bombeiro, agente penitenciário, policial rodoviário. É preciso transformar o mocinho em mocinho.
Crime organizado pressupõe atuação a nível nacional, formação de um cartel e inserção nos poderes da República. O que denominam "bandidos" no Rio, e tenho ojeriza a isso, não é crime organizado. O tráfico no Rio não é cartelizado e disputa permanentemente a área geográfica. Não tem um exército ou integrantes constantes. Tem muitos problemas internos.
O pessoal não percebe que isso é um produto da sociedade. Esses meninos que estão no tráfico são um produto direto nosso, da classe média, dos detentores do poder desse país.
BBC Brasil - São um produto da desigualdade social?
Hélio Luz - São um produto da concentração de renda. E não venha me dizer que a Índia ou outros países com desigualdade não têm esse problema. Aqui é diferente, pô. O nosso nível de concentração de renda é muito alto e resulta nisso.
A favela é produto nosso. Como é que não é produto dos que detêm o poder? Como é que não é produto da classe média? É produto meu. Como é que eu tenho aposentadoria integral e não tenho responsabilidade sobre a favela? Para eu ter meus privilégios, tem que existir favela. Isso é óbvio. O dinheiro público é um só. Se eu abocanho uma maior parte, falta do outro lado. Não há saída para isso.
Ele (o general) tem condição de recuperar as estruturas policiais e beneficiar o segmento que mais sofre com essa parafernália toda, o favelado, que é estigmatizado.
Lógico que para isso ele vai precisar de um grupo de policiais civis e militares que não usem o tal do guardanapo da cabeça. Não pode. Polícia que gosta de botar guardanapo na cabeça não serve para recuperar.
Fonte: Terra 
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/o-problema-do-rio-nao-sao-os-bandidos-sao-os-mocinhos-diz-ex-chefe-da-policia-civil,57b3d39ea75465193e39506ab570c5banhijvq5y.html

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