A "Palestra" sobre "Motivação" para professoras de uma escola
10.04.2015
[Tarefa bem subvertida! Sabe a felicidade? Um grito de GOooooooooooooooooOL enorme, só que sem competição.]
Dei a "palestra" sobre "motivação" com a psicóloga que convidei do DAST- UFRRJ (Saúde do Trabalhador) numa das escolas com a qual o meu serviço trabalha e foi lindo! A receptividade das profissionais do DAST foi valiosa, entendendo que a Rural deve sim oferecer algo a cidade e superar tanta indiferença secular!
- Primeiro propusemos as professoras que sentassem em círculo, mexendo com um primeiro aspecto do ensino tradicional (Paulo Freire? Presente!). Convocávamos todas a olharem nos olhos umas das outras num primeiro movimento de horizontalização possível da dinâmica do encontro.
- Iniciamos uma conversa de acordo com uma palavra que cada profissional usaria para representar o seu trabalho. E o assunto que antes se resumia a uma demanda por "motivação" se desdobrava em outras mil mais.
Enquanto o esquema "palestra" naufragava, a construção em conjunto emergia!
- ASSUNTOS ABORDADOS:
. Dos assuntos que surgiam, o AMOR e a LUTA se destacavam.
. Questionavam a produção de ESTATÍSTICAS pelo MEC quando iam avaliar a escola resumindo as crianças a números que não contavam a história de seu processo de aprendizagem.
. A demanda dos profissionais por RECONHECIMENTO tantos das crianças quanto das famílias destas pela relação imediata, diferenciando essas do reconhecimento da sociedade, do qual nada esperavam. De como investiam no material para levar e não eram valorizados.
. A noção de que eles estavam ali para TRANSMITIR/AJUDAR/ENSINAR conhecimento para as crianças, embora entendessem que estavam aprendendo o tempo todo.
. De que podiam tirar DINHEIRO do próprio bolso para suprir algum material que faltava as crianças.
. Cobravam LIMITES e EDUCAÇÃO das crianças.
. Mostravam que os mais BAGUNCEIROS acabavam tendo mais atenção do que os mais SILENCIOSOS.
. De como compartilhavam EXPERIÊNCIAS entre profissionais.
. Uma falou de como produzir AUTONOMIA, de como respeitava as colegas que sabiam mais do que ela.
- Em diálogo feito ponto a ponto, dizíamos:
. AMOR e LUTA
Como valorizar essa trabalhadora historicamente precarizada? Uma profissão ocupada por mulheres a partir do desprestígio que há com a saída do homem dessa marca, quando uma nova época passa a requerer mais dele no mercado de trabalho do que na passagem de conhecimento para a mais tenra idade. E "professorar" vira essa coisa feminina, maternal e pouco qualificada que deve ser feita só por amor?
AMOR
Amor: como debater educação infantil sem estragar a palavra?? Como dizer que só amor não basta?
LUTA
Luta: palavra que se debate e se desdobra. É uma luta interna (e autodomínio para ter paciência com as crianças), é fazer frente a famílias (para não esmorecer frente a reclamações que desconsideram o investimento do professor); é o trabalho de descobrir como ensinar, lutar para conseguir achar uma forma!
DEMAIS ASSUNTOS:
Aos poucos fomos debatendo os demais assuntos e costurando uns aos outros.
Que nessa luta por ENSINAR, é preciso, muitas vezes, escapar a LINGUAGEM FALADA e entender que o que fica muitas vezes na memória é o AFETO.
Que além de aprender o A, o B ou o C, se ensina também delicadeza.
Que dói a VIOLÊNCIA das crianças seja física ou verbal, mas que temos que conseguir responder de outro lugar fazendo perder o sentido aquela agressividade e não usando da mesma moeda; ou aceitar AJUDA de colegas para resolver uma vez que a ira não se dirige a ele naquele momento, já que mágoas são parte do processo. Que ao lidarmos com as palavras insuficientes tanto um abraço pode conter uma fúria quanto evitar o toque se isso for insuportável em momento tenso.
A psicóloga do DAST aborda a importância de brincadeiras que sejam mais COOPERATIVAS!
Emoticon heart
Que se só a professora TRANSMITISSE conhecimento e a(o) aluna(o) aprendesse, em nada a professora teria que mudar. Que o conhecimento é uma TROCA e a gente também troca com quem "não sabe" e a criança, com sua história e sua forma, provoca o aprendizado na professora de outra forma de SER e ensinar.
Que "não saber" também tem uma função. Que novos e velhos profissionais fazem outras TROCAS. O "não saber" é o q chega para estranhar e provocar experiências diferentes a partir de outros princípios, não sendo um demérito. Que o velhos profissionais ensinam como atualmente o sistema funciona e podem se desengessar se se propuserem a questionar o funcionamento atual COLETIVAMENTE.
Nesse sentido, não adianta tamponar demandas com o próprio DINHEIRO, quando ela devem ser cobradas do município, pois há uma REDE para tal que temos que aprender a usar e como funciona.
Que as escola não precisa só cobrar que as crianças venham bem de casa ou das instituições de acolhimento como se lá estivesse O MITO DA ORIGEM dos problemas, mas ser ela também um momento bom e de acolhimento na vida dessas pessoinhas.
Que em uma escola que trabalhei, o dia das mães e dos pais era tão doloroso para as crianças, que foi substituído pelo dia da família ou de alguém que a criança gostasse para homenagear. Que a FAMÍLIA ESTRUTURADA também é um mito e que há outras formas de família, sendo que a outra psicóloga chega a pautar as famílias e representações em materiais de escola das FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS!
Emoticon heart
Que não tem como ensinar só LIMITES, DEVERES e REGRAS para as crianças, se não falarmos também de LIBERDADE. Que é possível ensinar como os espaços funcionam, mas que é difícil dizer, muitas vezes, que algo é totalmente ERRADO. Que ele deve aprender a não brigar na escola, mas que ele pode precisar desse subterfúgio no local em que ele mora e isso ser uma demonstração de autodefesa. Podemos cobrar respeito e ensinar uma regra, mas só se a desordem não for tomada sempre como algo ruim, mas também uma oportunidade de organizar de outra forma. Entender que nossa CULTURA conforma nossas respostas e que, muitas vezes, as crianças nos convidam a INVENTAR e, as vezes, essa é a única saída.
E quando falaram dos SILENCIOSOS que ficavam de lado, pude dizer: que quem sente muito também cala. Que destruir uma cadeira nos chama a fazer alguma coisa por aquela pequena pessoa, mas que o silêncio pode guardar dores indizíveis. Que há sucessos cruéis de pessoas que se conformaram a uma sociedade doente como aqueles que se viciam em trabalhar. Que precisamos suportar ouvir certas coisas se queremos, de fato, "ajudar".
Eis que surgem relatos de ABUSO DE CRIANÇAS. Acolho e falo dos sentidos de sermos HEROÍNAS. Que essa é uma pessoa que faz o que é necessário no momento em que é preciso ou alguém que não teve tempo de correr e que, em ambos os sentidos, o que vale é sabermos que não temos que lidar com esse assunto sozinhas. Podemos encaminhar para redes de apoio e cobrar do município serviços específicos para tal. Que essa é uma demanda que temos que gerar se quisermos que pare de acontecer.
E que nada do debatido acima se sustenta se não tivermos tempo de pensar e DAR SENTIDO A NOSSA PRÁTICA. E até entendermos que não precisamos querer ter a mesma profissão para sempre. Incluir no nosso tempo o momento de nos CUIDARMOS porque não passamos ilesos por nada disso!
A diferença entre a SAÚDE e a doença é o movimento. Quem para pode adoecer e ir a reboque de um trabalho que perde o sentido. Quem descansar, mas não desistir, segue tendo problemas normais e sendo sujeito em sua prática. A saúde é o sentido da luta aonde faz parte da cura lutar por um ambiente melhor de trabalho para você e para o coletivo.
Enfim...
Só sei que vou morrer pobre, feliz e que alguns ricos vou deixar pagar minha boemia como uma boa ação muito bonita! rs
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Título: Uma escola me pediu uma "palestra" sobre "MOTIVAÇÂO"! Uhul!
Subtítulo: profissionais que trabalham com crianças em desgaste
Logo eu, com minhas "motivações surreais". Rs
Um pedido desses pra mim, enquanto pessoa, era o mesmo que ouvir soar um enorme grito de GOooooooooOOOOOol quanto a aposta no meu trabalho por mais uma pessoa da rede municipal da qual faço parte!
Emoticon wink
Me faz sentir um amor enorme por tudo que aprendi e pela coragem que me deu 4 anos de pesquisa com a Silvana Mendes Lima (e o grupo) e o Espaço Cultural da Grota.
Entendemos o que querem dizer quando pedem a nós, psicólogas, esse tipo trabalho: socorro. Só que ninguém de fora pode ir lá só "dar uma palestra" pra dizer o que essa coordenação e esss professors tem que fazer ou só proporcionar uma catarse coletiva com palavras bonitas (como quem obriga a pessoa a suportar ao invés de trocar sabedorias). Faz parte do desafio construirmos esse trabalho juntos! Também convidei a área de Saúde do Trabalhador da UFRRJ (DAST) a participar.
"É impossível ser feliz sozinho."
Restava decidir qual seria o viés de trabalho a partir desse estopim da "motivação".
REFLEXÃO:
O que eu vejo primeiro é que as pessoas que trabalham com crianças não são valorizadas culturalmente (as pessoas acham um trabalho bonito, mas não qualificado) e estão desgastadas por dois lados. Por um lado, por trabalharem com um modelo pedagógico "inquestionável"; e, por outro, por estarem cansadas de lidar com as crianças que não se adaptam ("rebeldes", "bagunceiras", "sem jeito", "que não aprendem"). Trabalhamos sempre no limite de "não saber mais o que fazer com essas crianças".
Quando converso "com as escolas" surgem muitas questões no âmbito dos problemas pessoais também desses profissionais com suas próprias crias , em busca de novas respostas prontas para profissionais cansados ou um diagnóstico rápido.
A princípio acho que o foco seria lidar melhor com as crianças, compartilhando estratégias. Dar mais significado ao trabalho também fazendo participar disso a singularidade da contribuição de "cada um" em função de um trabalho que é sempre coletivo. E isso passa por uma equipe que se dê bem e por reflexões acerca do trabalho (por ter tempo para pensa-lo, por haver troca de experiência e de informação que ajude a entender como funciona a estrutura do sistema atual).
Se aqui posso antecipar muitas coisas sobre esse encontro é porque tenho um plano. E tenho certeza de que só poderei falar de mais essa oportunidade de trabalhar com professores (e a querida área da educação!) depois que essa troca tiver ocorrido e esse plano tiver passado a ser um plano coletivo!
Emoticon smile
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