Fora do Eixo, Mídia Ninja: funcionamento capturado?
Nossa! Bem polêmico!
Sobre o funcionamento do Mídia Ninja ou algo "maior", supostamente.
Até mesmo as formas "horizontalizantes" mais bonitas podem funcionar de
modo capturado.Tem muitas transições interessantes nesse texto!
"Fora do Fora do Eixo
Conheci um representante da rede Fora do Eixo durante um trajeto de
ônibus do Festival de Cinema de Gramado de 2011, onde eu havia sido
convidada para exibir meu filme “Bollywood Dream – O Sonho
Bollywoodiano” e ele havia sido convidado a participar de um debate
sobre formas alternativas de distribuição de filmes no Brasil.
Meu filme havia sido lançado naquele mesmo ano no circuito comercial de
cinemas, em mais de 19 cidades brasileiras, distribuído pela Espaço
Filmes, e o rapaz me contava de como o Fora do Eixo estava articulando
pela internet os cerca de 1000 cineclubes do programa do governo Cine
Mais Cultura, assim como outros cineclubes de pontos de cultura,
escolas, universidades, coletivos e pontos de exibição alternativos, que
estavam conectados à internet nas cidades mais longínquas do Brasil,
para fazerem exibição simultânea de filmes com debate tanto
presencialmente, quanto ao vivo, por skype. Eu achei a idéia o máximo.
Me disponibilizei, a mim e ao meu filme para participar destas
exibições, pois realmente acredito na necessidade de democratizar o
acesso aos bens culturais no país, e sei como é angustiante, nestas
cidades distantes, viver sem acesso à cultura alternativa e mais
diversas artes.
Foi então organizado o lançamento do meu filme
nos cineclubes associados à rede Fora do Eixo durante o Grito Rock 2012,
no qual eu também me disponibilizei a participar de uma tournée de
debates no interior de São Paulo, na cidade do Rio de Janeiro, e por
skype com outros cineclubes que aderissem à “campanha de exibição”, como
eles chamam.
Com relação à remuneração eles me explicaram que
aquele ainda era um projeto embrionário, sem recursos próprios, mas que
podiam pagá-lo com “Cubo Card”, a moeda solidária deles, que poderia ser
trocada por serviços de design, de construção de sites, entre outras
coisas. Já adianto aqui que nunca vi nem sequer nenhum centavo deste
cubo card, ou a plataforma com ‘menu de serviços’ onde esta moeda é
trocada.
E fiquei sabendo que algumas destas exibições com
debate presencial no interior de SP seriam patrocinadas pelo SESC – pois
o SESC pede a assinatura do artista que vai fazer a performance ou
exibir seu filme nos seus contratos, independente do intermediário. E só
por eles pedirem isso é que fiquei sabendo que algumas destas exibições
tinham sim, patrocinador. Fui descobrir outros patrocinadores nos
posters e banners do Grito Rock de cada cidade. Destes eu não recebi um
centavo.
No entanto, foi realmente muito animador ver a
quantidade de pessoas sedentas por cultura alternativa em todas as
cidades de pequeno e médio porte pelas quais passei. Foi também incrível
conversar com cinéfilos por skype de cidadezinhas do Acre, Manaus, Rio
Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Mato Grosso, Goiania, Santa
Catarina, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, entre outras
cidades. Pelo que eu via, tinha entre 50 a 150 pessoas em cada sessão.
Eu perdi a conta de quantos debates e exibições foram feitas, mas o Fora
do Eixo havia me prometido como contra-partida uma foto de cada
exibição onde fosse visível o número de público destas, e uma tabela com
as cidades e quantidades de exibições que foram feitas. Coisa que
também nunca recebi.
De qualquer maneira, empolgada com esta
quantidade de pessoas que não querem consumir cultura de massa, em todas
estas cidades, entrei em contato com colegas cineastas e distribuidores
para que também disponibilizassem seus filmes, pois via o potencial de
fortalecimento destes pontos de exibição em todos estes lugares, de
crescimento do número de cinéfilos, e de pessoas que têm o desejo de
desfrutar coletivamente de um filme, ou de outra obra de arte, de
discuti-la, pesquisá-la, e se possível debatê-la com seus realizadores.
Estava realmente impressionada com a quantidade de pessoas em todas
estas cidades sedentas por arte. Se eu tivesse nascido em uma delas, via
que seguramente seria uma delas, e mal conseguia imaginar como deve ser
insuportável viver em uma cidade onde não há teatro, cinema
alternativo, e muitas vezes nem sequer bibliotecas.
A idéia
seria então de fazer um projeto para captar recursos para viabilizar
estas exibições. Pensamos em algo como cada cineclube ou ponto de
exibição que exibisse um filme receberia 100 reais para organizar e
divulgar a sessão, e cada cineasta receberia o mesmo valor pelos diretos
de exibição de seu filme naquele lugar. E caso houvesse debate
presencial receberia mais cerca de mil reais de cachê pelo debate, e por
skype ao vivo cerca de 500 reais pelo debate de até 3 horas.
Pensando em rede, se mil cineclubes exibissem um filme, o cineasta
poderia receber, no mínimo, 100 mil reais por estas exibições. Eu ainda
acho que é um projeto que deve ser realizado. E que esta ligação entre
os cineclubes deveria ser feita por uma plataforma pública online do
governo, onde ficaria o armazenamento destes filmes para download com
senha e crédito paypal para estes pontos de exibição (sejam eles
cineclubes, escolas, universidades, pontos de cultura etc).
Assim como também acho que os “Céus das Artes” que estão sendo
construídos no país todo deveriam ter salas de cinema separadas dos
teatros, com programação diária, constante, aumentando em 15% o parque
exibidor brasileiro, e capacitando o governo de fazer políticas de
exibição de filmes gratuitas ou com preços populares, em lugares onde
simplesmente não há cinemas, muito menos, de arte.
Mas isso já é outra história. Voltemos ao Fora do Eixo.
E quando foi que o projeto degringolou? ou quando foi que me assustei com o Fora do Eixo?
Meu primeiro susto foi quando perguntaram se podiam colocar a logomarca
deles no meu filme – para ser uma ‘realização Fora do Eixo’, em seu
catálogo. Eu disse que o filme havia sido feito sem nenhum recurso
público e que a cota mínima para um patrocinador ter sua logomarca nele
era de 50 mil reais. Eles desistiram.
O segundo susto veio
justamente na exibição com debate em um SESC do interior de SP, quando
recebi o contrato do SESC, e vi que o Fora do Eixo estava recebendo por
aquela sessão, em meu nome, e não haviam me consultado sobre aquilo.
Assinei o contrato minutos antes da exibição e cobrei do Fora do Eixo
aquele valor descrito ali como sendo de meu cachê, coisa que eles me
repassaram mais de 9 meses depois, porque os cobrei, publicamente.
O terceiro susto veio quando me levaram para jantar na casa da diretora
de marketing da Vale do Rio Doce, no Rio de Janeiro, onde falavam dos
números fabulosos (e sempre superfaturados) da quantidade de pessoas que
estavam comparecendo às sessões dos filmes, aos festivais de música, e
do poder do Fora do Eixo em articular todas aquelas pessoas em todas
estas cidades. Falavam do público que compareciam a estas exibições e
espetáculos como sendo filiados à eles. Ou como se eles tivessem
qualquer poder sobre este público.
Foi aí que conheci pela
primeira vez o Pablo Capilé, fundador da marca/rede Fora do Eixo, um
pouco antes deste jantar. Até então haviam me dito que a rede era
descentralizada, e eu havia acreditado, mas imediatamente quando vi a
reverência com que todos o escutam, o obedecem, não o contradizem ou
criticam, percebi que ele é o líder daqueles jovens, e que ao redor dele
orbitavam aqueles que eles chamam de “cúpula” ou “primeiro escalão” do
FdE.
O susto veio, não apenas por conta de perceber esta
centralidade de liderança, mas porque o Pablo Capilé dizia que não
deveria haver curadoria dos filmes a serem exibidos neste circuito de
cineclubes, que se a Xuxa liberasse os filmes dela, eles seguramente
fariam campanha para estes filmes serem consumidos pois dariam mais
visibilidade ao Fora do Eixo, e trariam mais pessoas para ‘curtir’ as
fotos e a rede deles – pessoas estas que ele contabilizaria, para seus
patrocinadores tanto no âmbito público, quanto privado. “Olha só quantas
pessoas fizemos sair de suas casas”. E que ele era contra pagar cachês
aos artistas, pois se pagasse valorizaria a atividade dos mesmos e
incentivaria a pessoa ‘lá na ponta’ da rede, como eles dizem, a serem
artistas e não ‘DUTO’ como ele precisava. Eu perguntei o que ele queria
dizer com “duto”, ele falou sem a menor cerimônia: “duto, os canos por
onde passam o esgoto”.
Eu fiquei chocada. Não apenas pela
total falta de respeito por aqueles que dedicam a maior quantidades de
horas de sua vida para o desenvolvimento da produção artística (e quando
eu argumentava isso ele tirava sarro dizendo ‘todo mundo é artista’ ao
que eu respondia ‘todo mundo é esportista também – mas quantos têm a
vocação e prazer de ficar mais de 8 horas diárias treinando e se
aprofundando em determinada forma de expressão? quantas pessoas que
jogam uma pelada no fim de semana querem e têm o talento para serem
jogadores profissionais?” “mas se pudesse escolher todo mundo seria
artista” “não necessariamente, leia as biografias de todos os grandes
compositores, escritores, cineastas, coreógrafos, músicos, dançarinos –
quero ver quem gostaria de ter aquelas infâncias violentadas, viver na
miséria econômicas, passar horas de dedicando-se a coisas consideradas
inúteis por outros - vai ver se quem é artista, se pudesse escolher
outra forma de vocação se não escolheria ter vontade de ser feliz sendo
médico, advogado, empresário, cientista social.”).
Enfim, o
fato é que eu acreditava e continuo acreditando que se a pessoa na ponta
da rede, seja no Acre ou onde quer que seja, se esta pessoa tiver
vontade de passar a maior quantidade de tempo possível praticando
qualquer forma de expressão artística, seja encarando páginas em branco,
lapidando textos, lapidando filmes, treinando danças, coreografias,
teatro, seja praticando um instrumento musical (e quem toca instrumentos
musicais sabe a quantidade de horas de prática para se chegar à
liberdade de domínio do instrumento e de seu próprio corpo, os tais 99%
de suor para 1% de inspiração), quem quer que seja que encontre
felicidade nestas horas e horas de prática cotidiana artística deve
produzir tais obras e não ser DUTO de coisa alguma.
Pois
existem pessoas no mundo que não têm este prazer de produção artística,
mas têm prazer em exibir, promover, e compartilhar estas obras. E tá
tudo certo. Temos diversos exemplos de pessoas assim: vejam a paixão com
que o Leon Cakof e a Renata de Almeida produziam e produzem a Mostra de
São Paulo. O pessoal da Mostra de Tiradentes. E de tantas outras.
Existe paixão pra tudo. E não, exibidores, programadores, curadores,
professores, críticos de cinema ou de arte não são artistas frustrados –
mas pessoas cuja a paixão deles é esta: analisar, comentar, debater,
ensinar, deflagrar e ampliar o pensamento e a reflexão sobre as diversos
âmbitos de atuação humanos. Que bom que tem gente com estas paixões tão
complementares!
E o meu choque ao discutir com o Pablo Capilé
foi ver que ele não tem paixão alguma pela produção cultural ou
artística, que ele diz que ver filmes é “perda de tempo”, que livros,
mesmo os clássicos, (que continuam sendo lidos e necessários há
séculos), são “tecnologias ultrapassadas”, e que ele simplesmente não
cultiva nada daquilo que ele quer representar. Nem ele nem os outros
moradores das casas Fora do Eixo (já explico melhor sobre isso).
Ou seja, ele quer fazer shows, exibir filmes, peças de teatro, dança,
simplesmente porque estas ações culturais/artísticas juntam muita gente
em qualquer lugar, que vão sair nas fotos que eles tiram e mostram aos
seus patrocinadores dizendo que mobilizam “tantas mil pessoas” junto ao
poder público e privado, e que por tanto, querem mais dinheiro, ou
privilégios políticos.
Vejam que esperto: se Pablo Capilé dizer
que vai falar num palanque, não iria aparecer nem meia dúzia de pessoas
para ouvi-lo, mas se disserem que o Criolo vai dar um show, aparecem
milhares. Ou seja, quem mobiliza é o Criolo, e não ele. Mas depois ele
tira as fotos do show do Criolo, e vai na Secretaria da Cultura dizendo
que foi ele e sua rede que mobilizou aquelas pessoas. E assim,
consequentemente, com todos os artistas que fazem participação em
qualquer evento ligado à rede FdE. Acredito que, como eu, a maioria
destes artistas não saibam o quanto Pablo Capilé capitaliza em cima
deles, e de seus públicos.
Mesmo porque ele diz que as
planilhas do orçamento do Fora do Eixo são transparentes e abertas na
internet, sendo isso outra grande mentira lavada – tais planilhas não
encontram-se na internet, nem sequer os próprios moradores das casas
Fora do Eixo as viram, ou sabem onde estão. Em recente entrevista no
Roda Viva, Capilé disse que arrecadam entre 3 e 5 milhões de reais por
ano. Quanto disso é redistribuído para os artistas que se apresentam na
rede?
O último dado que tive é que o Criolo recebia cerca de
20 mil reais para um show com eles, enquanto outra banda desconhecida
não recebe nem 250 reais, na casa FdE São Paulo.
Mas seria
extremamente importante que os patrocinadores destes milhões exigissem o
contrato assinado com cada um destes artistas, baseado pelo menos no
mínimo sindical de cada uma das áreas, para ter certeza que tais
recursos estão sendo repassados, como faz o SESC.
Depois deste
choque com o discurso do Pablo Capilé, ainda acompanhei a dinâmica da
rede por mais alguns meses (foi cerca de 1 ano que tive contato
constante com eles), pois queria ver se este ódio que ele carrega contra
as artes e os artistas era algo particular dele, ou se estendia à toda a
rede. Para a minha surpresa, me deparei com algo ainda mais assustador:
as pessoas que moram e trabalham nas casas do Fora do Eixo simplesmente
não têm tempo para desfrutar os filmes, peças de teatro, dança, livros,
shows, pois estão 24 horas por dia, 7 dias por semana, trabalhando na
campanha de marketing das ações do FdE no facebook, twitter e demais
redes sociais.
E como elas vivem e trabalham coletivamente no
mesmo espaço, gera-se um frenesi coletivo por produtividade, que, aliado
ao fato de todos ali não terem horário de trabalho definido,
acreditarem no mantra ‘trabalho é vida’, e não receberem salário, e
portanto se sentirem constantemente devedores ao caixa coletivo, da
verba que vem da produção de ações que acontecem “na ponta”, em outros
coletivos aliados à rede, faz com que simplesmente, na casa Fora do Eixo
em São Paulo, não se encontre nenhum indivíduo lendo um livro, vendo
uma peça, assistindo a um filme, fazendo qualquer curso, fora da rede.
Quem já cruzou com eles em festivais nos quais eles entraram como
parceiros sabem do que estou falando: eles não entram para assistir a
nenhum filme, nem assistem/participam de nenhum debate que não seja o
deles. O que faz com que, depois de um tempo, eles não consigam falar
de outra coisa que não sejam eles mesmos.
Sim, soa como seita religiosa.
Eu comecei a questionar esta prática: como vocês querem promover a
cultura, se não a cultivam? Ao que me responderam “enquanto o povo
brasileiro todo não puder assistir a um filme no cinema, nós também não
vamos”. Eu perguntei se eles sabiam que havia mostras gratuitas de
filmes, peças de teatro, dança, bibliotecas públicas, universidades
públicas onde pode-se assistir a qualquer aula/curso – ao que me
responderam que eles não têm tempo para perder com estas coisas.
Pode parecer algo muito minimalista, mas eu acho chocante eles se
denominarem o “movimento social da cultura”, e não cultivar nem a
produção nem o desfrute das atividades artísticas da cidade onde estão,
considerando-se mártires por isso, orgulhando-se de serem chamados de
“precariado cognitivo” (sem perceber o tamanho desta ofensa – podemos
nos conformar em viver no precariado material, mas cultivar e querer
espalhar o precariado de pensamentos, de massa crítica, de sensibilidade
cognitiva, é algo muito grave para o desenvolvimento de seres humanos, e
consequentemente da humanidade).
Concomitantemente a isso,
reparei que aquela massa de pessoas que trabalham 24 horas por dia
naquelas campanhas de publicidade das ações da rede FdE, não assinam
nenhuma de suas criações: sejam textos, fotos, vídeos, pôsters, sites,
ações, produções. Pois assinar aquilo que se diz, aquilo que se mostra,
que se faz, ou que se cria, é considerado “egóico” para eles. Toda a
produção que fazem é assinada simplesmente com a logomarca do Fora do
Eixo, o que faz com que não saibamos quem são aquele exercito de
criadores, mas sabemos que estão sob o teto e comando de Pablo Capilé, o
fundador da marca.
E que não, a marca do fora do Eixo não está
ligada a um CNPJ, nem de ONG, nem de Associação, nem de Cooperativa,
nem de nada – pois se estivesse, ele seguramente já estaria sendo
processado por trabalho escravo e estelionato de suas criações, por
dezenas de pessoas que passaram um período de suas vidas nas casas Fora
do Eixo, e saem das mesmas, ao se deparar com estas mesmas questões que
exponho aqui, e outras ainda mais obscuras e complexas.
Me
explico melhor: existem muitos dissidentes que se aproximam da rede pois
vêem nela a possibilidade de viver da criação e circulação artística,
de modificar suas cidades e fortalecer o impacto social da arte na
população das mesmas, que depois de um tempo trabalhando para eles
percebem, tal qual eu percebi, as incongruências do movimento Fora do
Eixo. Que aquilo que falam, ou divulgam, não é aquilo que praticam. É a
pura cultura da publicidade vazia enraizada nos hábitos diários daquelas
pessoas.
E além disso, o que talvez seja mais grave: quem mora
nas casas Fora do Eixo, abdicam de salários por meses e anos, e
portanto não têm um centavo ou fundo de garantia para sair da rede.
Também não adquirem portfólio de produção, uma vez que não assinaram
nada do que fizeram lá dentro – nem fotos, nem cartazes, nem sites, nem
textos, nem vídeos. E, portanto, acabam se submetendo àquela situação de
escravidão (pós)moderna, simplesmente pois não vêem como sobreviver da
produção e circulação artística, fora da rede. Muitas destas pessoas são
incentivadas pelo próprio Pablo Capilé a abandonar suas faculdades para
se dedicarem integralmente ao Fora do Eixo. Quanto menos autonomia
intelectual e financeira estas pessoas tiverem, melhor para ele.
E quando algumas destas pessoas conseguem sair, pois têm meios
financeiros independentes da rede FdE para isso, ficam com medo de
retaliação, pois vêem o poder de intermediação que o Capilé conseguiu
junto ao Estado e aos patrocinadores de cultura no país, e temem serem
“queimados” com estes. Ou mesmo sofrer agressões físicas. Já três
pessoas me contaram ouvir de um dos membros do FdE, ao se desligarem da
rede, ameaças tais quais “você está falando de mais, se estivéssemos na
década de 70 ou na faixa de gaza você já estaria morto/a.” Como alguns
me contaram, “eles funcionam como uma seita religiosa-política, tem
gente ali capaz de tudo” na tal ânsia de disputa por cada vez mais
hegemonia de pensamento, por popularidade e poder político, capital
simbólico e material, de adeptos. Por isso se calam.
Fiquei
sabendo de uma menina que produziu o Grito Rock 2012 em Braga, em
Portugal, no qual exibiram meu filme. Ela me contou que estava de
intercâmbio da universidade lá, e uma amiga dela que havia sido
“abduzida pelo Fora do Eixo” entrou em contato perguntando se ela e um
amigo não queriam exibir o filme em Braga, produzir o show de uma banda
na universidade, fazer a divulgação destas ações nas redes sociais. Ela
achou boa a idéia e qual não foi sua surpresa quando viu que em todos os
materiais de divulgação do evento que lhe enviaram estava escrito
“realização Fora do Eixo”. “Eu nunca fui do Fora do Eixo, não tenho nada
a ver com eles, como assim meu nome não saiu em nada? Não vou poder
usar estas produções no meu currículo? E pior, eles agora falam que o
Fora do Eixo está até em Portugal, e em sei lá quantos países. Isso é
simplesmente mentira. Eu não sou, nem nunca fui do Fora do Eixo.”
O que leva a outro ponto grave das falácias do Fora do Eixo: sua falta
de precisão numérica. Pablo Capilé, quando vai intermediar recursos
junto ao poder público ou privado, para capitalizar a rede FdE, fala
números completamente aleatórios “somos mais de 2 mil pessoas em mais de
200 cidades na America Latina”. Cadê a assinatura destas pessoas
dizendo que são realmente filiadas à rede? Qualquer associação,
cooperativa, partido político, fundação, ONG, ou movimento social tem
estes dados. Reais, e não imaginários.
Quando visitei algumas
das casas Fora do Eixo, estas pessoas morando e trabalhando lá não
chegavam a 10% daquilo que ele diz a rede conter. E estas pessoas são
treinadas com a estratégia de marketing da rede, de “englobar” no
facebook e twitter alguém que eles consideram estrategicamente
importante para o Fora do Eixo, seja um vereador, um intelectual, um
artista, um secretário da cultura, e replicam simultaneamente as fotos e
textos dos eventos do qual produzem, divulgam, ou simplesmente se
aproximam (já vou falar dos outros movimentos sociais que expulsam o
Fora do Eixo de suas manifestações – pois eles tiram fotos de si no meio
destas ações dos outros e depois vão ao poder público dizer que as
representam), ao redor daquelas pessoas estratégicas, política e
economicamente para eles, que as adicionaram ao mesmo tempo, criando uma
realidade virtual paralela que eles manipulam ao redor desta pessoa.
Pois, se esta pessoa ‘englobada’ apertar ‘ocultar’ nas cerca de150
pessoas que trabalham nas casas Fora do Eixo, verá que muito raramente
estas informações chegam por outras vias. Ou seja, eles simulam um
impacto midiático muito maior de suas ações, apara aqueles que lhes
interessam, do que o impacto real das mesmas nas populações e
localizações onde aconteceram.
E com isso vão construindo esta realidade falsa, paralela. Controlada por eles, sob liderança do Pablo Capilé.
Dos movimentos sociais que começaram a expulsar os Fora do Eixo de suas
manifestações e ações, pois estes, como os melhores mandrakes, ao
tentar dominar a comunicação destas, iam depois ao poder público dizer
representá-las, estão o movimento do Hip Hop em São Paulo, as Mãe de
Maio (que encabeçam o movimento pela desmilitarização da PM aqui), o
Cordão da Mentira (que une diversos coletivos e movimentos sociais para a
passeata de 1º de Abril, dia do golpe Militar no Brasil, escrachando os
lugares e instituições que contribuíram para o mesmo), a Associação de
Moradores da Favela do Moinho, o coletivo Zagaia, o Passa-Palavra, o
Ocupa Mídia, O Ocupa Sampa, o Ocupa Rio, Ocupa Funarte, entre outros.
Até membros do Movimento Passe Livre tem discutido publicamente o
assunto dizendo que o Fora do Eixo não os representam, e não podem falar
em seu nome.
Sobre a transmissão de protestos e ocupações, são
milhares de pessoas em diversos países que transmitem as manifestações
no mundo todo, em tempo real, e acredito que os inventores que fizeram
os primeiros smartphones conectando vídeo com internet, são realmente
tão importantes para a comunicação na atualidade quanto os inventores do
telégrafo foram em outra época.
Já o Fora do Eixo, agora
denominados de Mídia Ninja, (antes era Mídia Fora do Eixo, mas como são
muito expulsos de manifestações resolveram mudar de nome) utilizar os
vídeos feitos por centenas de pessoas não ligadas ao Fora do Eixo,
editá-los, subí-los no canal sob seu selo, e querer capitalizar em cima
disso – sem repassar os recursos para as pessoas que realmente filmaram
estes vídeos/fizeram estas fotos e textos – inclusive do PM infiltrado
mudando de roupa e atirando o molotov - eu já acho bastante discutível
eticamente.
Sobre a questão do anonimato nos textos e fotos,
acredito que esta prática acaba fazendo com que eles façam exatamente
aquilo que criticam na grande mídia: espalham boatos anônimos, sem o
menor comprometimento com a verdade, com a pesquisa, com a acuidade dos
dados e fatos.
Mas enfim, acho que a discussão é muito mais
profunda do que a Midía Ninja em si, apesar deles também se beneficiarem
do trabalho escravo daqueles que vivem nas casas Fora do Eixo.
Acredito com este relato estar dando minha contribuição pública à
discussão de o que é o Fora do Eixo, como se financiam e sustentam a
rede, quais seus lados bons e seus lados perversos, onde é que enganam
as pessoas, dizendo-se transparentes, impunemente.
Contribuição
esta que acredito ser meu dever público, uma vez que, ao me encantar
com a rede, e haver vislumbrado a possibilidade de interagir com
cinéfilos do rincões mais distantes do país, que não têm acesso aos bens
culturais produzidos ou circulados por aqui, incentivei outros colegas
cineastas a fazerem o mesmo. Já conversei pessoalmente com todos aqueles
que pude, explicando tudo aquilo que exponho aqui também. Dos cineastas
que soube que também liberaram seus filmes para serem exibidos pela
rede, nenhum recebeu qualquer feedback destas exibições, sejam em fotos
com o número de pessoas no públicos, seja com a tabela de cidades em que
passaram, seja de eventuais patrocínio que os exibidores receberam. E
como talvez tenha alguém mais com quem eu não tenha conseguido falar
pessoalmente, fica aqui registrado o testemunho público sobre minha
experiência com a rede Fora do Eixo, para que outras pessoas possam
tomar a decisão de forma mais consciente caso queiram ou não colaborar
com ela.
Espero que os patrocinadores da rede tomem também
conhecimento de todas estas falácias, e cobrem do Fora do Eixo o número
exato de participantes, com assinatura dos mesmos, os contratos e recibo
de repasse das verbas que recebem aos autores das obras e espetáculos
que eles dizem promover. E que jornalistas que investigam o trabalho
escravo moderno se debrucem também sobre estas casas: pois acredito que
as pessoas que estão lá e querem sair precisam de condições financeiras e
psicológicas para isso.
Espero também que mais pessoas tomem
coragem para publicar seus relatos (e sei que tem muita gente que
poderia fazer o mesmo, mas que tem medo pelos motivos que expliquei a
cima), e assim teremos uma polifonia importante para quebrar a máscara
de consenso ao redor do Fora do Eixo.
E que, mesmo vivendo em
plena era da cultura da publicidade, exijamos “mais integridade, por
favor”, entre aquilo que dizem e aquilo que fazem aqueles que querem
trabalhar, circular, exibir, criar, representar, pensar ou lutar pelo
direito fundamental do Homem de produção e desfrute da diversidade
artística e cultural de todas as épocas, em nosso tempo."
Beatriz Seigner
Fonte: Facebook
https://www.facebook.com/beatriz.seigner/posts/10151800189163254
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