sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Dizer amor-livre mas agir como sempre

Sobre aquela mesma coisa de sempre disfarçada de amor-livre

Já faz um tempo que não estou buscando (mais) uma relação sexo-livre, como as outras que eram comuns me acontecerem – por alguns motivos que vou explicar mais pra frente. Mas como as coisas vão acontecendo, organicamente, por elas mesmas, a gente muitas vezes perde a racionalidade e deixa acontecer. Tudo bem, embora eu não busque, é bom (exceto pelos motivos que me fizeram encher o saco disso).
Pelas minhas experiências nesse tipo de relação, e observando o que acontece de forma parecida nas outras – principalmente com as moças -, consigo perceber que alguma coisa bem estranha acontece nesse universo.
As pessoas com quem desenvolvi, até sem saber, relações sexo-livre são geralmente: homens que buscam/lutam (ou pelo menos mantém esse discurso) para se afastar das amarras monogâmicas. Com a posição de “amor sem posse é possível, o amor é livre”, etc. Muito bonito, muito harmonioso. Só que pelo que pude perceber, é que eles acabam não mergulhando, e sim só molhando os pés.
Abrindo um parênteses imaginário pra explicar melhor: eu busco me relacionar de forma diferente e, usando de comparação ou pequena análise, as pessoas podem me enxergar no grupo de pessoas “livres”. Ou seja, estou disponível, assim como não vou encrencar com nada também. Então conheço essas pessoas, trocamos muitas ideias interessantes e na semana seguinte tomamos uma cerveja, nos beijamos, transamos. Aí isso se repete algumas vezes, mas as trocas de ideias vão sendo bem escassas, o interesse no outro menor ainda. Mas eu permaneço sendo alguém disponível para sexo.
Enquanto eu desenvolvo um grande apreço pela pessoa, por poder compartilhar com ela algumas trocas (ideais e corporais) – tendo ela como personagem vivo e presente no meu processo de desconstrução, o mesmo não acontece de forma recíproca.
Nos encontramos algumas vezes, – por acaso, na maioria delas -, um “oi, tudo bem?” esquisito, seguido por um beijo (beijo esse que não é a demonstração do carinho/apreço/afeto, e sim apenas um passo pra ter certeza de que o sexo ainda pode acontecer). Então esse beijo aceito significa que sim, o caminho continua aberto e sim, eu ainda faço parte desse universo dele. E aí, foi só um beijo, dois beijos e lá vou eu novamente sendo guiada pra um sexo completamente estranho, mas bem comum, disfarçado de liberdade – onde eu não me sinto nada segura.
Esses caras não vão criar vínculo nenhum. Não serão pessoas que falarão “oi, tudo bem?” realmente importando-se com isso, porque não se importam. Quer dizer, percebo que os homens chegam até mim demonstrando interesse, falando de relações livres e de como o mundo é bonito. E depois que dormimos juntos, o objetivo “livre” já foi alcançado e eles podem continuar vivendo normalmente e me colocando na lista de pessoas disponíveis. O que é isso senão continuar reproduzindo a ideia pessoa-produto? Ou, no caso, mulher-produto.
Aprofundando na minha situação enquanto mulher na posição sexo-livre: os homens não me consideram uma pessoa para somar, trocar. E sim pra fugir do usual. Inclusive muitas vezes percebo que na verdade eles estão até buscando um amor romântico e fantasiado com alguém, paralelamente, mas mantendo o discurso amor livre comigo pra ter sexo livre.
Quero dizer que é fácil gritar amor livre aos ventos. Qualquer um pode fazer isso. Mas o que eles estão fazendo de diferente? Se antes de questionarem a monogamia, eles também tinham várias parceiras sexuais, sem envolvimento, preocupação e cuidado – e ainda com respaldo pra isso? Não só respaldo, como também um grande prêmio por isso. Na verdade o que acontece então é a mesma coisa de sempre, mas com um nome diferente. Ou seja, sem desejo algum de realmente criar laços mais verdadeiros.
Não reduzo esses laços apenas às relações nesse campo, repensar nossas relações significa olhar pro que o capital impõe. Falta de tempo, competitividade, pressa, não ouvir o outro, não se importar com o outro. Falta de presença nas relações, de ser, de estar, de disponibilizar a sua existência. Só que romper com isso é um processo. Um processo a ser descoberto e construído de forma individual, mas com toda certeza coletivamente. Isso envolve diálogo, verdade e presença.
E eu não estou esperando um amor romântico de filme, que a pessoa se apaixone por mim loucamente. Pelo contrário. Eu luto pra que a gente se importe um com o outro, eu espero que o porteiro do meu prédio sinta-se amado quando eu pergunto se ele está bem, porque eu espero que ele esteja bem e espero que ele sinta-se confortável pra me pedir ajuda. Porque sim, as pessoas precisam de ajuda, precisam da relação com o outro de forma verdadeira (e o caos se sustenta justamente nesse afastamento, nesse não estar presente. E é contra isso que estamos, ou não?)
Eu até gosto de sexo-livre, quando a relação me deixa bem consciente do que tá acontecendo. Eu tenho tesão, gosto de dividir essa disponibilidade com alguém. Sexo é divertido, gostoso, saudável. Mas são pessoas. Ou seja, são pessoas com quem me relaciono. E pra mim, por ser mulher, preciso parar e pensar a cada momento sobre qual papel eu estou ocupando.
Resumindo: ter sexo livre da forma sacaneada como ele acontece, principalmente pras mulheres, não vai sanar minha sede por relações verdadeiras num mundo caótico. Não vai.
Relações livres, ou qualquer uma que se disponha a questionar a monogamia, não diz respeito a quantos parceiros sexuais você tem. E sim à forma como voce se relaciona.
Percebo que repensar isso – falando pessoalmente – significa transformar como eu me posiciono diante das outras pessoas. Refletir que situações de poder existem em toda relação, seja ela “amorosa” ou não. E que precisamos nos cuidar, ajudar o outro a se cuidar e cuidarmos juntos. Até poderia fazer considerações sobre a dificuldade da mulher (e de diferentes “ser mulher”) nessa desconstrução toda, mas prefiro deixar pra outro momento.
E é com muito auto-cuidado que escrevo. Esse texto começou com uma vontade de tornar explícito algo que me incomoda. Mas é um texto pra mim, antes de tudo.
Cuidando pra que não aconteça da forma que eu não gosto. Como proteção, auto-cuidado, por saber a minha posição.

Fonte : Versoando
Júlia Vitta da uff
https://versoando.wordpress.com/2014/10/01/sobre-aquela-mesma-coisa-de-sempre-disfarcada-de-amor-livre/

Nenhum comentário:

Postar um comentário