Luciana Genro explica porque defende a Lava Jato
Escrito por Miguel do Rosário, Postado em Redação
Publico o artigo abaixo e peço todo o respeito à Luciana Genro, ex-candidata presidencial pelo PSOL. Temos posições radicalmente diferentes sobre a Lava Jato, mas vamos fazer um embate de ideias produtivo.
Até porque eu não consigo acreditar que não seja por ingenuidade e desinformação que alguém de esquerda apoie a operação que serviu de núcleo para o golpe de Estado, destruindo setores inteiros da economia, entregando governo, estatais, recursos naturais, toda a nossa riqueza em mãos de bandidos profissionais da política.
É inacreditável também que ela não faça uma crítica sobre a associação criminosa entre o judiciário e a mídia, e não tenha visto a quantidade interminável de arbítrios, tantos que o Luigi Ferrajoli comparou a Lava Jato à Inquisição.
Em outro post, e provavelmente não hoje, mas amanhã ou depois, eu respondo a esse artigo ponto por ponto.
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No Justificando
Sobre defender (ou não) a Lava Jato
Por Luciana Genro
Advogada e dirigente do PSOL Sábado, 22 de abril de 2017
Advogada e dirigente do PSOL Sábado, 22 de abril de 2017
Considerada a maior investigação contra a corrupção já ocorrida no mundo “democrático”, a operação Lava Jato desmascarou o conluio entre a casta política parasita e as grandes corporações capitalistas: o capitalismo de compadrio, o clientelismo e o patrimonialismo. Acima de tudo, colocou em xeque o sistema político que a esquerda – em sentido amplo – sempre disse rejeitar e combater. Um sistema cuja democracia é fraudada pelo poder econômico, no qual o processo político e eleitoral é um grande negócio. Votações compradas, legisladores vendidos, governantes em liquidação, capitalistas ávidos pelas melhores ofertas.
No momento em que ocorre este desmascaramento explícito do sistema, uma velha esquerda já havia deixado de combate-lo, já tinha aderido a ele em troca de algumas migalhas. No poder, esse segmento não usou a força de que dispunha para desmontar o sistema, e acabou por fortalecê-lo, pois aprofundou as relações promíscuas com empreiteiras, frigoríficos, bancos etc. Como resultado, essa velha esquerda, duramente atingida pela Lava Jato, sai agora em defesa do sistema na tentativa de salvar a própria pele.
Mesmo a esquerda que não é do PT, mas segue influenciada pelo partido, abraçou a defesa de Lula apesar das evidências de que ele estabeleceu relações no mínimo promíscuas com a Odebrecht. Lançou-se contra a investigação para salvar a cúpula petista que desmorona dia após dia diante das revelações dos delatores, e na prática age para salvar o sistema que um dia jurou combater.
Mas os argumentos dos que não estão dispostos a defender a Lava Jato não se sustentam. Vejamos alguns deles mais de perto:
“A Lava Jato é seletiva”
Essa ladainha caiu por terra. No início, o PT foi de fato o maior atingido, mas isso não surpreende, pois, como eu já afirmava à época, o partido governara o país durante 13 anos até então.
Mas e agora que as investigações desmontaram a cúpula do PMDB do Rio de Janeiro e colocaram o ex-governador do Estado atrás das grades? E chegaram ao queridinho da grande mídia corporativa, o senador Aécio Neves, do PSDB, que de candidato a Capriles brasileiro passou a ser um zero à esquerda na disputa presidencial de 2018?
Também não escaparam os tucanos Geraldo Alckmin, o poderoso gerente do Estado de SP e outro pré-candidato burguês à Presidência, e José Serra, que teve expostas suas contas no exterior, antes sempre negadas e tratadas pela mídia como algo inverossímil.
Seletividade não é, portanto, uma característica que se possa atribuir à Lava Jato, mas sim aos políticos, às corporações e suas mídias. Uma parte deles quer usar a investigação para criminalizar o PT, enquanto outra tenta inocentar os petistas. Ambos querem salvar a própria pele.
Seletivos são os que atacaram o PT e defenderam o PSDB, como fez a Globo, que usou a operação para promover o golpe parlamentar contra Dilma, destaca as notícias sobre o PT e alivia as denúncias contra os ministros de Temer. E são seletivos os que atacam a quadrilha de Temer, mas inocentam a cúpula do PT. A Lava Jato é usada na luta política ora por um, ora por outro. O que falta é um terceiro campo político que não aceite o mal menor entre os grupos siameses que defendem o mesmo sistema e têm os mesmos financiadores e aliados entre os capitalistas.
“A criminalização da política”
Há quem se coloque em defesa do sistema, como se a ruína do modelo fosse necessariamente a ruína da política. Esta vinculação não se sustenta. É a política degradada pela ação de uma casta que se associou de forma legal e ilegal ao grande capital que está sendo criminalizada. E é bom que seja.
Esse método de fazer política, característico dos partidos burgueses, deve ser combatido. É natural que sob toda esta lama a população torne-se cética em relação aos políticos e tenha dificuldades em diferenciar o joio do trigo, principalmente porque a grande mídia trata de misturar tudo para impedir o nascimento de alternativas que ameacem seus interesses. E quando aqueles que poderiam se apresentar como uma nova opção pela esquerda ficam agarrados à defesa do sistema, quem cresce é a extrema direita e o apoliticismo.
“Sérgio Moro comete arbitrariedades”
Algumas decisões do juiz Sérgio Moro ao longo da Lava Jato, como a condução coercitiva de Lula, podem e devem ser questionadas. Eu nunca disse que o Moro era santo e minha vibração sempre foi com a investigação, não com o juiz da Vara Federal de Curitiba.
Mesmo assim, nada do que ocorreu se compara às arbitrariedades vividas pelos pobres que enfrentam o sistema penal todos os dias e que não contam com bancas de advogados pagas a peso de ouro. São presos sem julgamento por causa da cor da pele ou da condição social que apodrecem nas masmorras chamadas de presídios. Isso é o “normal” e poucos levantam a voz para reivindicar as garantias desses presos e mostrar que eles são a prova de que não há “Estado de direito” no Brasil.
De fato, não há Estado de direito para todos. Em Porto Alegre, presos já ficaram uma semana algemados em um corrimão, dentro de um pavilhão da Polícia Militar.[1] Já policiais que executaram supostos traficantes rendidos, à queima-roupa, tiveram a prisão preventiva revogada a pedido do Ministério Público.[2] Não é aceitável igualar o que sofrem os jovens pobres e negros das periferias às arbitrariedades vistas na Lava Jato até aqui. Já falei sobre isso em outro artigo.
“Delator não é confiável”
É verdade que apenas a palavra de um delator não prova nada. Os relatos devem estar acompanhados de outras provas, ou as delações não podem ser homologadas. Quem homologou as delações mais contundentes foi o ministro Edson Fachin, do STF, e não Sergio Moro. A não ser que alguém acredite que Moro, o procurador Deltan Dallagnol e Fachin (e antes dele, Teori Zavascki) façam parte de um grande conluio para acabar com a política e tomar o poder, é de se considerar que os fatos narrados pelos delatores têm consistência e devem ser investigados.
É possível que haja relatos inexatos e até mentiras. A delação de Leo Pinheiro, da OAS, por exemplo, não pode ser aceita como verdade sem outras provas. Ele até pode inventar ou aumentar fatos para ganhar a liberdade. Sobre Lula, o fato inconteste é que ele é um traidor da classe trabalhadora, que se tornou um agente dos interesses do capital, especialmente das empreiteiras. E não só delas, também dos bancos, com certeza. Quanto a isso as provas são fartas.
“Não confiamos na justiça burguesa”
Este argumento pode muito bem ser utilizado por um revolucionário sincero, que defende outro modelo de Justiça, popular e proletária, como por alguém envolvido em alguma irregularidade. Não confio cegamente em nenhuma instituição deste sistema podre e por isso sempre insisti na necessidade de que as investigações avancem, de que todos os sigilos sejam derrubados e todos os comprovadamente corruptos, punidos.
Os avanços da Constituição de 1988, com a criação do Ministério Público e a garantia de uma relativa autonomia à Polícia Federal, junto com a lei da delação premiada, abriram brechas que possibilitaram o desenvolvimento da operação Lava Jato. Mas neste ponto me chama a atenção a seletividade da confiança na justiça burguesa que alguns expressam sem constrangimento.
Contra o PMDB e o PSDB as delações são válidas, mas quando os alvos são Lula e Dilma, é tudo calúnia. É preciso um mínimo de coerência. Ou se reconhece a importância da Lava Jato e se exige a continuidade das investigações doa a quem doer, inclusive com a revelação das provas que embasam as delações, ou se propõe uma grande campanha em defesa dos “presos políticos” injustiçados por uma “operação do imperialismo”.
Liberdade para Cunha, José Dirceu, Cabral, Eike Batista? Ou somente para os petistas? Isso não significa condenar a todos antecipadamente, mas condenar o sistema e os partidos e políticos que o sustentam e valorizar o fato de que eles sejam desmascarados pela Lava Jato.
“Somos contra o punitivismo”
Esse é um argumento muito interessante, pois dialoga com um problema real. Estudiosos do direito e da criminologia questionam se o fato de comemorar a prisão de um corrupto não contraria os princípios da Criminologia Crítica. Quando Eduardo Cunha foi preso eu (e milhões de brasileiros) comemorei muito e ouvi, meio estarrecida, alguns dizerem que não se pode comemorar, sob a alegação de que eram contra o punitivismo. E para defender Cunha se apoiaram na Criminologia Abolicionista.
Primeiro é preciso dizer que os crimes de colarinho branco estão entre os mais nefastos. Além de roubarem dinheiro dos investimentos, fazem da democracia um grande simulacro. Merecem, portanto, uma persecução penal firme e uma punição exemplar. Hoje a pena possível para crimes graves é a privação de liberdade, mas quem sabe no futuro um corrupto possa ter os bens confiscados e ser obrigado a trabalhar oito horas por dia em troca de um salário mínimo por mês. A ideia me agrada.
É preciso dizer que a Criminologia Crítica tem várias vertentes[3]. O abolicionismo criminal é uma delas e defende a abolição total do sistema penal (conforme Louk Hulsman) ou da pena de prisão (segundo Thomas Mathiesen). É um debate legítimo, mas suspeito que a abolição total do sistema penal é inviável no atual estágio de evolução humana.
Sou mais simpática à Criminologia Radical (de Dario Melossi, Massimo Pavarini e Michel Foucault), mais próxima do marxismo. O maior expoente dessa linha no Brasil é Juarez Cirino, professor, jurista e advogado, pioneiro da Criminologia Crítica no país. De acordo com ele,
“A política criminal alternativa da Criminologia Radical, como meio de reduzir as desigualdades de classes no processo de criminalização e de limitar as consequências de marginalização social do processo de execução penal, distingue a criminalidade das classes dominantes, entendida como articulação funcional da estrutura econômica com as superestruturas jurídico-políticas da sociedade, de um lado, e a criminalidade das classes dominadas, definida como resposta individual inadequado de sujeitos em posição social desvantajosa, de outro lado, propondo o seguinte:
No processo de criminalização, (1) a penalização da criminalidade econômica e política das classes dominantes, com ampliação do sistema punitivo e (2) a despenalização da criminalidade típica das classes e categorias sociais subalternas, com contração do sistema punitivo e substituição de sanções estigmatizantes por não-estigmatizantes.”[4] (Grifos meus)
Vejam então que um dos mais importantes criminólogos críticos do Brasil defende a penalização dos crimes do andar de cima e a despenalização para o andar de baixo[5]. Então, por favor, não usem o “santo nome” da Criminologia Crítica para defender criminosos de colarinho branco.
Vejam então que um dos mais importantes criminólogos críticos do Brasil defende a penalização dos crimes do andar de cima e a despenalização para o andar de baixo[5]. Então, por favor, não usem o “santo nome” da Criminologia Crítica para defender criminosos de colarinho branco.
Vale registrar que o ex-operário Lula há muito não vive mais no andar de baixo.
Luciana Genro é advogada, especialista em Direito Penal, mestre em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da USP e dirigente nacional do PSOL.
[1] http://gaucha.clicrbs.com.br/rs/noticia-aberta/presos-estavam-algemados-ha-uma-semana-em-corrimao-dentro-de-pavilhao-da-bm-em-porto-alegre-189402.html
[2] http://www.conjur.com.br/2017-abr-20/juiz-revoga-prisao-policiais-suspeitos-executar-dois-homens
[3] http://analistacriminal.blogspot.com.br/2008/10/as-vertentes-da-criminologia-crtica-por.html?m=1
[4] Santos, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. Curitiba: Lumen Juris, 2008. P. 131,132
[5] Cirino atuou recentemente na defesa de Lula e teve um embate memorável com Sergio Moro. Mas, em seguida, pediu para sair, sob a alegação de motivos pessoais.
Fonte : O Cafezinho
http://www.ocafezinho.com/2017/04/23/luciana-genro-explica-porque-defende-lava-jato/Miguel Do Rosário
Editor em Cafezinho
Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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Miséria punitiva: por que Luciana Genro está errada sobre a Lava Jato
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
O presente artigo visa oferecer umaresposta às formulações pretensamente críticas de Luciana Genro, militante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pós-graduada em Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Relutamos em criticar um artigo que, marcado por flagrante incompetência teórica, deveria ser relegado ao ostracismo, mas tratando-se de uma representante de uma agremiação política fundada pelos saudosos Leandro Konder (1936-2014) e Carlos Nelson Coutinho (1943-2012), nos parece imprescindível resgatar os fundamentos que outrora constituíram o núcleo-duro de um projeto verdadeiramente revolucionário.
Genro brinda o leitor com uma análise sobre a atual conjuntura política, circunscrita aos eventos decorrentes da “Operação Lava Jato”, que, segundo a própria autora, teve o condão de desmascarar “o conluio entre a casta política parasita e as grandes corporações capitalistas”. Ou seja, a aclamada Operação teria revelado o “segredo de polichinelo” de que o Estado Moderno se configura como “um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”[1]. Portanto, não deve causar espanto o fato de que a autora desconecta, de modo idealista, a democracia da infraestrutura produtiva que a erige: Genro denuncia a “política como um negócio” num mundo em que a forma-mercadoria dita os rumos da política.
Luciana Genro ataca “a esquerda que não é do PT” (todo o restante da esquerda) por não defender uma Operação que, aparentemente, expressa o resgate da ética na política institucional. Se um segmento da esquerda renegou o seu projeto revolucionário (?) a credibilidade nacional deveria ser resgatada pelo Poder Judiciário, que, como sabemos, é isento de quaisquer implicações político-ideológicas e se mantém neutro nos processos de resolução de conflitos macrossociais.
Se a autora compreendesse minimamente os efeitos deletérios causados pela referida Operação ao projeto de consolidação do Estado de Direito e, mais especificamente, às lutas da classe trabalhadora pela afirmação de suas garantias individuais, repensaria o termo utilizado para qualificar a pretensa neutralidade operacional. O “Capriles brasileiro” não foi capaz, ao contrário do original, de aceitar o resultado expresso nas urnas, costeando o Golpe de Estado que continuamente impõe retrocessos à classe trabalhadora. Quanto aos outros nomes citados, esses nem merecem resposta, passam muito bem, atacados, pero no mucho.
Ao abordar as relações existentes entre a “lava jato” e a “imprensa” (notadamente as Organizações Globo), a articulista parece crer que está tratando de agências estanques e incomunicáveis. Ora, Genro ignora o fato incontestável de que a “Grande Mídia” é parte integrante da Operação[2], posto que, conforme a teoria criminológica que julga dominar, a imprensa hegemônica se constitui como agência de comunicação social do Sistema Penal[3]. Ademais, não se pode ignorar que os processos de criminalização primária e secundária são diretamente condicionados pela mídia. Em um primeiro sentido, quando os grupos midiáticos atuam como empresários morais, criando a demanda pela criminalização de uma conduta ou pela perseguição efetiva de um determinado grupo ou indivíduo, valendo-se de seu poder de difusão para impor sua agenda à esfera pública. Em outro sentido, ocultando ou poupando suas próprias práticas ilícitas ou daqueles que, no momento, melhor sirvam aos seus interesses. Basta que se observe a duração, a ênfase e a espetacularização que caracterizam as denúncias de corrupção contra o ex-presidente Lula e compará-las com o tratamento dado aos membros do PSDB.
Neste sentido, o eventual leitor deve atentar para o fato de que a autora utiliza o termo “seletividade” de modo ambíguo, desconhecendo ou empregando erroneamente um conceito para construir uma Crítica crítica aos procedimentos por ela defendidos. A seletividade é intrínseca ao Sistema de Justiça Criminal, bastando analisar os dados concernentes à população carcerária. Deste modo, o mesmo não poderia deixar de ocorrer com uma Operação que, desde o início, não faz outra coisa que não maximizar o Direito Penal e Processual Penal, aplicando o método inquisitorial de modo evidente, castrando os direitos e garantias do acusado e asfixiando pretensões minimalistas. A seletividade (talvez “parcialidade” fosse mais adequado) atinente às críticas aos que estão implicados em todo este mastodôntico processo não deve ser desconsiderada, mas também não pode ser utilizada de modo oportunista. Nossa paladina da moral visa atacar o moralismo pretérito com um moralismo renovado. Apresentando-se claramente como alternativa a um capitalismo antiético, saúda inconstitucionalidades em defesa da Constituição. Se o “sistema” é a doença, o Direito (que parece ser exógeno) é a cura.
O direito não pode ser compreendido criticamente se for descolado das relações de produção que fundamentam a sociedade capitalista. Se a autora atentasse para as formulações de seu próprio orientador[4] e de outros estudiosos[5] do tema, perceberia a apatia pseudo-teórica que caracteriza sua análise conjuntural. Com o objetivo de formular uma Crítica crítica, Luciana Genro ignora os escritos de Engels[6] e Pashukanis[7], pensa representar a renovação do socialismo, mas oferece uma reciclagem do velho (e irrelevante) Anton Menger: provê um modelo ruinoso para emendar a “ruína do modelo”.
Ao compreender o direito penal enquanto forma-jurídica derivada da forma-mercadoria, percebemos que a maximização de seu raio de alcance sob o pretexto ideológico de democratização da punição, solapa ainda mais as poucas garantias democráticas conquistadas pelas lutas políticas. Se o direito penal é parte do aparato estatal que assegura a reprodução das relações de produção e forças produtivas, defender a sua ampliação é defender a extensão da barbárie. Os clientes preferenciais serão sempre os mesmos, não importando a espetacularização midiática acerca dos escândalos políticos ou as pílulas homeopáticas de sabedoria fornecidas por Genro.
Identificamos concretamente, em texto anterior, as nefastas consequências que a onda de criminalização iniciada pela Ação Penal 470 (“Mensalão”) [8] e aprofundada pela “Operação Lava Jato”, produziu para os miseráveis normalmente vitimados pelo Sistema Penal. Seja através da deturpação teórica de institutos jurídicos, realizada pelos Tribunais Superiores, seja através do incontrolável populismo penal do Poder Legislativo, que tem na pessoa do Juiz Sérgio Moro e em setores do Ministério Público Federal, verdadeiros lobistas da repressão[9], a relação dos explorados com a Justiça Criminal só tende a piorar. Dito de modo simples, “é impossível restringir direitos de um grupo socialmente privilegiado sem que isso repercuta negativamente sobre os mais vulneráveis ampliando ainda mais os instrumentos que produzem o superencarcaremento da população negra e pobre[10]”.
Se a criminologia crítica possui “várias vertentes”, a autora parece desconhecê-las por completo, alinhando-se, de modo estritamente adjetivo, à Criminologia Radical, citando Juarez Cirino do Santos. A criminologia de Cirino é radical justamente por “tomar a coisa pela raiz[10]”, direcionando as armas da crítica contra a forma-jurídica, desmistificando o direito e combatendo abertamente a ideologia punitivista. Cirino é claramente o mais brilhante criminólogo brasileiro e, ao contrário da superficialidade de Genro, é abertamente abolicionista. O trecho citado no texto é de “Criminologia Radical”, obra fundante da criminologia marxista brasileira e tese de doutoramento do autor (escrita entre 1979 e 1981). Por honestidade intelectual, Cirino acredita que a tese não deveria ser reformulada, vez que expressa o momento em que fora escrita. A criminologia marxista se adensou, desistindo da antiga formulação pinçada por Genro. Um simples contato com o autor que, diga-se, se avulta frequentemente como um dos maiores críticos da famigerada Operação, bastaria para sanar quaisquer dúvidas. Resta saber se Genro está enganada ou se está enganando.
Thiago Araujo é Professor de Direito Penal e Criminologia (UFRJ)
Lucas Sada é Advogado do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH)
[1] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 42.
[2] Do ponto de vista operacional, quem destaca o papel central da imprensa em operações como a Lava Jato não somos nós, mas seu próprio chefe maior, o Juiz Federal, Sérgio Fernando Moro. Em artigo publicado no ano de 2004, Moro analisa de forma elogiosa a famosa Operação italiana conhecida “Mani Pulite” e indica a possibilidade de algo similar acontecer no Brasil – estava, portanto, profetizada pelo magistrado paranaense a Operação “Lava Jato”. No texto o autor identifica um “círculo virtuoso”, responsável pela “magnitude dos resultados obtidos”, que seria composto por prisões preventivas, confissões/delações e divulgação do conteúdo das investigações por meio da imprensa. Em outras palavras, no tripé que sustenta operações como a “Lava Jato”, a agência de comunicação social é, segundo seu “coordenador”, pilar central. Cf.: <http://s.conjur.com.br/dl/artigo-moro-mani-pulite.pdf > Acesso em: 23 de abril de 2017. Essa divulgação, mesmo que operada através de vazamentos ilegais, teria como efeitos desejados e legítimos: a) adesão da opinião pública ao modus operandi da Operação blindando o trabalho dos magistrados contra obstruções indevidas e b) o exercício de coação sobre os inestimados que estariam permanentemente “na defensiva” facilitando a ocorrência de delações e confissões.
[3] BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; et alii. Direito Penal Brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 45.
[4] Em especial: MASCARO, Alysson. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.
[5] KASHIURA JR., Celso Naoto. Sujeito de direito e capitalismo. São Paulo: Outras Expressões: Dobra Universitário, 2014; KASHIURA Jr., Celso Naoto; AKAMINE JR., Oswaldo; MELO, Tarso. Para a crítica do direito: reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. São Paulo: Outras Expressões: Dobra Universitário2015; LIMA, Martônio; BELLO, Enzo (org.). Direito e marxismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. NAVES, Márcio Bilharinho.A questão do direito em Marx. São Paulo: Outras Expressões: Dobra Universitário, 2014
[6] ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O socialismo jurídico. São Paulo: Boitempo, 2012.
[7] PASHUKANIS, E. B. The general theory of law and marxism. New Brunswick: Transaction Publishers, 2009.
[8] Para uma análise magistral do referido processo: BATISTA, Nilo. Crítica do Mensalão. Rio de Janeiro: Revan, 2015.
[8] Para uma análise magistral do referido processo: BATISTA, Nilo. Crítica do Mensalão. Rio de Janeiro: Revan, 2015.
[9] Basta observer as pavorosas “10 Medidas Contra à Corrupção” apresentadas pelo Ministério Público Federal que tinham o Juiz Sérgio Moro como garoto-propaganda. Temporiamente derrotado na Câmara Federal, o pacote lesgislativo foi rechaçado por toda comunidade jurídica democrática, pois se aprovado causaria um dano incalculável em termos de superencarceramento. Por todos, destacamos a bilhante atuação da Defensoria Pública do Estado do de Janeiro e do Instituto Brasileiro de Cièncias Criminais (IBCCRIM) na luta contra esse delírio acustório cujas críticas podem ser encontradas respectivamente em <http://10medidasemxeque.rj.def.br/ e <https://www.ibccrim.org.br/boletim_sumario/318-277-Dezembro2015> Acesso em: 23 de abril de 2017.
[1o] MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 151.
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/04/24/miseria-punitiva-por-que-luciana-genro-esta-errada-sobre-lava-jato/
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