Para ler.
"Mas o que seriam essas causas sociais que fazem um jovem se aventurar numa vida perigosa de rua e delitos? Preto Zezé, liderança nacional da Cufa (Central Única das Favelas) que vem das Quadras de Fortaleza, com trajetória de dedicação intelectual e de ações concretas, num texto postado nas redes sociais neste fim de semana (“Senhoras e Senhores, apresento-lhes nossos meninos-bombas!”), promove um olhar agudo e focado sobre o acontecimento que vai além de um aparente desabafo e desesperança. Aponta que “esses meninos que explodem só são vistos, debatidos e lembrados quando surgem das sombras e tiram vidas que são mais vidas que as suas, aliás, suas vidas são apenas números”. Diante de vidas que se forjaram na descrença, que sabem que estão vivendo um dia de cada vez e que hoje pode ser o último, que esbarram numa Justiça que é injusta com quem vem de onde eles vêm, pela morte aleatória estar por perto quando um agente do Estado entra em sua comunidade, por verem suas mães sustentarem com dificuldade a vida da família sem a presença paterna, e por desejarem ser a imediata superação disso, as coisas que a publicidade vende como valores de sucesso acabam encorajando-os a significar a vida em delitos, algumas vezes num caminho sem volta."
Via Félix
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O fim do social?
Toda repercussão presente na inadmissível morte do médico ciclista foi expressada pela dor diante da brutalidade do ato que banaliza a vida
Toda repercussão presente na inadmissível morte do médico ciclista no assalto da Lagoa foi expressada pela dor diante da brutalidade do ato que banaliza a vida, mas possui uma forte tendência, no seu subtexto, de favorecer intolerâncias que aumentam a impossibilidade de uma projeto pleno de cidade.
Imediatamente ao falecimento, um jovem foi encontrado numa favela, recolhido e acusado. Bandeiras de mais segurança pública, de leis mais severas foram levantadas, seguidas da reivindicação de que o possível executor fosse imediatamente excluído, recebendo o carimbo midiático e de governantes de ser um possível portador de desvio — delinquência, psicopatia, entre outras. Esse repertório de falas foi repetido em diversas plataformas: do impresso ao televisivo e nas redes on-line individualizaram o acontecimento e apontam para um triste andar em círculo. Nenhuma dessas reações é nova. Já as vivemos em diversos casos anteriores. Estão presentes até mesmo na fala que indica o problema como sendo unicamente da desigualdade social, de um Estado ineficaz que não consegue garantir direitos igualitários, que apenas favorece uma elite ou, no seu oposto, que não assegura o “cidadão de bem” contra vagabundos. Todas essas falas são legítimas, se pensadas como expressão da dor, por representarem reações a vidas ceifadas, mas acabam funcionando como um teatro catártico que ajuda a arrefecer o acontecimento, sem promover a diminuição desses eventos, e a acirrar ainda mais rancores sociais, já presentes em outros casos, quando falas de autoridades sugeriram que uma vida na Zona Sul valia mais do que em qualquer outro canto da cidade — setores do chamado “outro lado da cidade” acabam incorporando a mesma dicção como resposta.
Canhestramente, um perigoso caminho junta essas falas opostas. As duas descaracterizam a dimensão social e a necessidade de políticas e ações para lidar com esses acontecimentos. De um lado, setores mais radicais dizem que o social é mera encenação para conter os pobres no seu lugar, porque o projeto global é explorá-los. E, de outro lado, aparece o cinismo de canto de boca que diz que é “gastar dinheiro à toa com gente que já está perdida”, que merece encarceramento, afinal “tem muito pobre que se dedica ao trabalho”. Essa polarização politiza aparentemente, mas por optar pelo confronto beligerante vira obstáculo dessa mesma politização. Juntam-se pela falta de esforço em esmiuçar as diversas dimensões do fato, pelo medo de falar de sua complexidade — gestos que seriam necessários para o engajamento da maioria da sociedade em pactos para a sua superação. E, pior, por ficarem na retórica, aumentam a sensação de falta de saída.
Mas o que seriam essas causas sociais que fazem um jovem se aventurar numa vida perigosa de rua e delitos? Preto Zezé, liderança nacional da Cufa (Central Única das Favelas) que vem das Quadras de Fortaleza, com trajetória de dedicação intelectual e de ações concretas, num texto postado nas redes sociais neste fim de semana (“Senhoras e Senhores, apresento-lhes nossos meninos-bombas!”), promove um olhar agudo e focado sobre o acontecimento que vai além de um aparente desabafo e desesperança. Aponta que “esses meninos que explodem só são vistos, debatidos e lembrados quando surgem das sombras e tiram vidas que são mais vidas que as suas, aliás, suas vidas são apenas números”. Diante de vidas que se forjaram na descrença, que sabem que estão vivendo um dia de cada vez e que hoje pode ser o último, que esbarram numa Justiça que é injusta com quem vem de onde eles vêm, pela morte aleatória estar por perto quando um agente do Estado entra em sua comunidade, por verem suas mães sustentarem com dificuldade a vida da família sem a presença paterna, e por desejarem ser a imediata superação disso, as coisas que a publicidade vende como valores de sucesso acabam encorajando-os a significar a vida em delitos, algumas vezes num caminho sem volta.
Como envolver esses jovens em outras trajetórias possíveis? No lugar de abandonar o social, é necessário ressignificar, é necessário encerrar o social apenas como atendimento e pequenos apoios financeiros — eles são um dos elementos. Praças, prédios escolares, habitação, serviços públicos são a base, precisam estar articulados com tutoria que encoraja, e não apenas disciplina, traz aumento de repertório, garantia de direitos, reconhecimento, visibilidade — sabemos que apenas a escolarização regular não é suficiente para o desenvolvimento pleno e projetos de vida. Fazemos isso com filhos de classe média. Essa promessa foi feita pelas três esferas de governo quando as UPPs foram criadas. A falta dessas ações foi apontada por autoridades, ativistas e pesquisadores do assunto. Afinal são poucos jovens que estão nesse caminho. Encarcerá-los é fácil, mas outros virão, não porque são assim. Mas por não priorizarmos com foco o ambiente em que se forjam, com toda inteligência que a cidade produz.
Fonte: O Globo
Autor: Marcus Faustini
http://oglobo.globo.com/cultura/o-fim-do-social-16259071#ixzz3bMh0DcLn
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